sábado, 29 de dezembro de 2007

ultimos dias do ano

estatisticas dezembristicas:

a palavra que mais falei esse ano foi putz.
se nao foi putz, deve ter sido dedeu.
mas isso pode ser so uma impressao.
minhas estatisticas sao mesmo impressionantes.




(nao sei colocar acento no mac)

segunda-feira, 24 de dezembro de 2007

Maldição

A Diana me passou uma maldição.

Frase da página 161

1 - procurar um livro próximo;
2 - abri-lo na página 161;
3 - procurar a quinta frase completa;
4 - postá-la no seu blog;
5 - não escolher a melhor frase nem o melhor livro;
6 - repassar a outros cinco blogs.

A minha frase:

"Quando conheceu Perón, em 1944, ela sustentava uma tribo de albinos mudos extraviados de orfanatos."

Do livro "Santa Evita", de Tomás Eloy Martinez, uma biografia ficcional instigante e impregnada de maldições.

Outros cinco blogs: Juju, Keiji, Antonio, Manoel, Lia.

Pronto. Dever cumprido.

Agora os PSs: procurei em três livros antes de achar essa frase. O primeiro era um livro de receitas com tomate, que não tinha página 161. O segundo era uma coletânea de contos do Borges, em que a página 161 estava totalmente em branco. Comecei a achar que a maldição ia me pegar na hora. Até senti uns calafrios no couro cabeludo. Daí me dei conta de que essa é uma maldição aparentemente sem conseqüências, uma vez que os danos causados pelo não-cumprimento não vieram junto com as ordens. O que pode ser muito pior. Ou não. E continuo sem entender por que eu possuo em minha estante um livro de receitas com tomate. Feliz Natal.

No Natal, gosto de comer pencas e de ver os corações molenguinhos.

quinta-feira, 20 de dezembro de 2007

o fim do ano é ruim
mas o término de dezembro é muito pior.

segunda-feira, 17 de dezembro de 2007

aritmética

Seqüência aritmética feita para presentear um casal amigo que se casou.
A aritmética tomou forma num porta-copos bacanérrimo, presente em trio que deu certo.

***

Conta de luz – R$ 355,00
+
Conta de gás – R$ 123,00
=
Apagamos tudo e fomos contar as estrelas


***

benzinho para cá
+
benzinho para lá
=
E não é que a valsa ficou bacana?

***

onde foi parar a pasta de dente?
+
o que essa meia está fazendo em cima da TV?
=
lar, doce-como-nunca-pensei-que-fosse lar

domingo, 16 de dezembro de 2007

velha laranja

eu demoro séculos para escolher laranja lima na feira. tudo bem, a minha cota é grande, sessenta laranjas por semana. mas as velhinhas me dão um banho. é meio ridículo. é muito ridículo. algumas senhoras chegam a dar uma risadinha intencionalmente indiscreta. são muitas operações seguidas para se escolher uma laranja: ver se está podre por fora, apalpar para ver se está podre por dentro, avaliar se está muito verde ou muito madura, se tem suco em quantidade suficiente, e verificar a existência de bactérias e o percentual de agrotóxicos.
incrível a agilidade de pensamento dessas senhoras. e, mais ainda, os malabares com as mãos para colocar a laranja no saco. quando crescer, vou ser assim. ou não. quer dizer, provavelmente não.

sábado, 15 de dezembro de 2007

a estrela cadente

era uma vez a estrela cadente no alto do céu.
a estrela tinha medo de altura.
por isso, estava em crise existencial.
a pressão em dezembro é muito grande, disse a estrela. todos têm muitos desejos. é dose.
o psiquiatra receitou lexotan.
vamos ver se funciona. olhei pela janela e até agora, nada.

sexta-feira, 14 de dezembro de 2007

coisas que fazem falta:
água de côco, torta de limão, nextel e não saber desenhar.

quarta-feira, 12 de dezembro de 2007

verão

as senhoras do Largo do Machado estão carregando mini-toalhinhas para limpar o suor:
chegou o verão.

segunda-feira, 10 de dezembro de 2007

é. meu corpo, definitivamente, não quer me obedecer.

sexta-feira, 7 de dezembro de 2007

Gente fina

Arthur era principiante, mas lembrou bem das dicas que escutou do chefe quando chegou no bangalô.

Gente fina não dá furo. Tem sempre um comentário apropriado, que oscila entre a soberba e o bom-humor. Gente fina sabe o que está acontecendo no Pará, em Nova Iorque e em Moscou, e lê todos os cadernos do jornal com igual (des)interesse. Gente fina sabe ponderar e chegar a um meio termo, e talvez tenha até uma certa obsessão pela palavra ponderação. E gente fina nunca surpreende demais, para evitar gafes.

Gente fina sabe muito bem fingir que não é gente fina. E até zombar, principalmente quando está entre os gente fina. Gente fina não peida, não arrota, nunca teve ferimento com pus amarelo-limão. As vacinas dos gente fina estão sempre em dia, bem como o passaporte. Gente fina ri com os lábios, sem barulhos esquizóides. E, principalmente, gente fina não gargalha.

Lá dentro, Oliver teve uma surpresa, quando viu Tatiana usando fio-dental depois de chupar manga. Lá fora, Arthur testava o silenciador, porque gente fina não gosta de estrondo.

terça-feira, 4 de dezembro de 2007

Cat - Como ela se apresentou a mim. Não gostava do verdadeiro nome, Catarina.

Catar - o que ordenei a ela logo nos primeiros dias de casamento. Vá catar minhas meias, cuecas, e se esquecer de esvaziar o cinzeiro, vai ver só.

Catástrofe - Como acabou nosso terno enlace. Nunca mais me meto com taróloga.

prosaica lixa

Algumas pessoas lixam as unhas com lixa-brinde de farmárcia.
Outras, com lixas altamente luxuosas.

O homem que vi hoje lixava as unhas no poste.
Foi num cruzamento em Laranjeiras. Cumprimentei-o com um meneio de cabeça.

sábado, 1 de dezembro de 2007

Raquete

Na minha casa tem muito mosquito. Não, não estou com dengue. A questão é que mosquito é um bicho chato pra cacete. Só dois motivos tiram a minha paz no sono: mosquito zumbindo e vontade de fazer xixi. Até que ir no banheiro não dá tanto trabalho, já desenvolvi maneiras de fazer isso dormindo. Mas matar mosquito é um saco. Tenho que levantar, acender a luz, voltar para a cama, fingir que estou dormindo, esperar o mosquito chegar, bater palma no mosquito.

Daí alguém descolou um artefato tecnológico de última geração que mudou completamente o modo arcaico como os mosquitos eram tratados no meu lar. Trata-se de uma raquete que eletrocuta o mosquito. Isso mesmo: eu raqueteio o mosquito, dou um choque e ele morre. Ai. É tão bom. Aperto o botão do choque e escuto, clac, o mosquito sendo explodido. Depois fica um certo cheiro de mosquito queimado, mas passa.

E eis que veio uma vegetariana me visitar. Estupefata, ela me disse que a tão querida raquete era um instrumento de tortura. Que o animal poderia morrer sofrendo menos. Que tudo bem, ele estava invadindo o meu espaço privado, mas não merecia tamanho sofrimento. Que na verdade, coitado, ele não sabia que se tratava do meu quarto, espaço privado. Retruquei, com minha absoluta sinceridade: mas peraí, mosquito? Os vegetarianos agora defendem os mosquitos? Zzzzzz? Ela nem aí. Me recomendou sprays anti-mosquito (alô-ou! spray? e a camada de ozônio?), ventilador e cheirinho de tomada.

Mal sabe ela o quanto já desejei ter uma raquete gigantesca, própria para humanos. Preferi não colocar expor meus pensamentos onívoros e truculentos.

escriba em crise

mais ou menos duas vezes por mês me pergunto:
por que é que não nasci
um jabuti?

sexta-feira, 30 de novembro de 2007

dezembro

E todo dezembro é a mesma aflição:
começo com as promessas para o ano-novo
e termino com as da próxima encarnação

quinta-feira, 29 de novembro de 2007

Da arte de irritar

A arte da irritação é coisa para poucos. Digo aquele irritação que tira do sério, que domina o corpo, que subitamente faz acumular baba na boca. Irritar o outro é difícil por um motivo muito simples: a irritação genuína vem de um conhecimento íntimo, que poucas pessoas compartilham conosco. Irmãos, por exemplo, costumam ser mestres nessa arte. Basta uma frasesinha, uma olhada e já se está sentindo um certo rubor. Para pessoas que, como eu, possuem certa suscetibilidade irritacional, é um prato.

Mas o que tenho reparado é que, modernamente, o fenômeno oposto tem acontecido com alguma frequência: as pessoas começam a te irritar para ganhar intimidade. Isso mesmo: o sujeito não te conhece, jamais cruzou com você em esquina alguma, e vai dizendo desaforos simples, fazendo solenes gracinhas, testando as fronteiras, verificando o que funciona e o que não funciona. Muitas vezes o pretexto é a piada - a pessoa está tentando te irritar, mas fazendo as tão conhecidas e sutis piadinhas imbecis. Se você não ri, que falta de senso de humor, meu caro.

Feita essa apocalíptica reflexão de fim de ano, declaro que não tenho nada a concluir, porque nunca se conclui nada mesmo. Declaro também que nós, os mal-humorados, estamos achando o mundo meio cruel. E nós, os bem-humorados, achamos que piadinha desse tipo é falta de imaginação.

Fim.

quarta-feira, 28 de novembro de 2007

e eis que a homeopata colocou cannabis sativa na remédio.
medicinalmente chapada.

esse seu bom humor
me sufoca
meu amor

segunda-feira, 26 de novembro de 2007

tomar banho, cantarolar uma música, pensar na roupa, também vai sair?, secar os cabelos, catar o celular, trocar as coisas de bolsa, me dá uma carona?, esquecer os documentos, trancar a casa, lembrar o que esqueceu, você já esteve aqui?

sábado, 24 de novembro de 2007

Os carteiros estão de bermudinha:
chegou o verão.

quarta-feira, 21 de novembro de 2007

detesto quando me escrevem
hauahauahauahau
nessas conversas de internet.
nunca sei se a pessoa teve um ataque de úlcera,
ou um câncer no cérebro,
ou se simplesmente descobriu
que a paz mora dentro.

sábado, 17 de novembro de 2007

Conjugacao

a planta que comecou a rebolar e se transformou num sucesso de tecnobrega:

eucalipto
tucaliptas
elecalipta
noscalypsamos
voscalypsais
elescalypsam




(nova serie do `meu dicionario`: conjugacao)
(esse aqui com participacao de kelly, recem-casada)

segunda-feira, 12 de novembro de 2007

as unhas compridas

A unha comprida serve para arranhar, catar piolhos, ser pintada. Entretanto, a principal finalidade de uma unha comprida é intermediar o contato com o mundo. Com o dedo e as unhas curtas, o contato é imediato: pego a lata de coca, sinto; se quero as moedinhas, apalpo, se viro a página de um livro, tateio. Com a unha comprida, bau-bau. Temos que erguer um pouco os dedos para fazer qualquer coisa. A unha está ali para determinar os contornos entre os objetos, para dizer que não somos todos contígüos, para confirmar correntes filosóficas sobre a alteridade e suas decorrências. (Eita, quase me perco nessa.)

Às vezes algumas coisas ficam escondidas nas unhas compridas. Outro dia mesmo achei um dente de leite, que tirei aos oito anos e nunca mais encontrei. Além disso, eu dou diversas utilidades às minhas unhas. Pinto de "deixa beijar" - alô rapazes, esse é o nome do esmalte - e lixo ora quadradas, ora redondas.

Ah, sim, e digito incessantemente no teclado, escutando o tic-tic-tic das unhinhas, que parecem gostar mais dos tempos em que tinham piolho para catar.

anti-dicionário

pessoas que falam
fofaaa
amigaaa
queridaaa
alongam as vogais sem finalidade poética
e por isso têm certa propensão irritante

sábado, 10 de novembro de 2007

Nome de guerra

Essa profissão não é mole. A formação não é qualquer uma: o líder havia feito um curso de história da arte na Cidade do México, e o novato acabara de fazer uma especialização em Ouro Preto. Com a arte contemporânea, a revolução digital e tudo mais, estava muito difícil saber o que roubar e, principalmente, por quanto vender.

Como fazer o roubo não despertava grande mistério, esses donos de firma de segurança não são tão criativos. Deviam aprender com os artistas, ou com a gente, mas aí já pode ser difícil demais para eles.

Depois de tudo isso, para ser bem aceito no bando, era necessário escolher um pseudônimo. Estava nessa fase, e com muita dificuldade. O líder era Rimbaud, e o meu contato chamava Michelângelo. Mas eu achava isso tudo meio frouxo, os traficantes têm muito mais propriedade, Fernandinho Beira-Mar, Elias Maluco, isso sim mete pavor. Depois de quase dez anos estudando eu vou escolher um nominho fraco assim? Queria mesmo saber o nome de um pintor rupestre, acho que ia ficar o terror total, um nome bem cavernoso, mas aqueles imbecis do paleolítico não deixaram os nomes. Para não contrariar totalmente, escolhi um meio termo: Frida Sacode-Museu, ou então Goya Destruição Total. Acho que vai colar.

quarta-feira, 7 de novembro de 2007

entecortes de pensamento

o bom de ter cabelo
(putz, meu pai sempre implicou comigo por causa da mania de falar o bom, o ruim, ele dizia, que pobreza, minha filha, coloca um substantivo)
o bom de ter cabelo crespo
(já sei, virão milhares de pessoas me acusar de racismo, só porque estou falando de cabelo crespo, melhor ficar preparada, eu só queria fazer alguma coisa que rimasse)
é que embaraça
(adoro coisas que embaraçam, desembaçam, o som de aça é muito bom de falar)
e dá no mesmo
(mais do mesmo é o nome de um disco que eu adoro, mas me deprime muito)

o bom de ter cabelo crespo
é que embaraça
e dá no mesmo

(cacilda, melhor não tivesse feito)

domingo, 4 de novembro de 2007

Evolução depilatória

Um dos setores em que a criatividade humana mais tem evoluído é o de nomenclatura das casas de depilação cariocas.
Como ser humano do sexo feminino, tenho como uma de minhas incumbências a remoção mensal dos pêlos de certas partes do corpo, como as axilas, virilhas e pernas, além do buço, região também conhecida como bigodão. Antigamente, removia meus pêlos em salões de beleza ou clínicas especializadas, que tinham como nome invariavelmente o primeiro nome do dono, acrescido de apóstrofe S: christian´s, ralph´s, etelvina´s.
Há alguns anos surgiram centros de depilação mais antenados com a globalização e os ininterruptos fluxos de capital, que não exigem fidelização depiladora/ cliente, tampouco hora marcada para o ato depilatório. A pioneira foi a Pello Menos, com dois L (como o meu sobrenome), que são desenhados na logo como dois nojentos cabelinhos (o que não tem nada a ver com meu sobrenome).
O nome revolucionou em absoluto tudo o que se conhecia em casas de depilação, e abriu uma brecha para uma surto de criatividade dos empresários do ramo. Ao Pello Menos seguiram a Depilux e o Pelo Zero. Mais recentemente, também em Botafogo (bairro que estatisticamente concentra as mulheres mais cabeludas da cidade), foi aberta a Pello Sim, Pello Não.
Apenas em relação a esta última tenho certa objeção. Fiquei com medo de ser utilizada uma nova técnica que retira apenas metade dos pelos. Imaginei a atendente: Bom-dia, senhora Clara. Vamos retirar pêlo sim, pêlo não, até atingir a perfeita metade. Se ficar um a mais, um a menos, por favor contate nosso call center, que nossas operadoras ouvirão sua queixa. Posso testar a cêra?

quarta-feira, 31 de outubro de 2007

a evolução da espécie

Antes da formação dos continentes, havia um grande rocha. Antes dela, um emaranhado de larvas e pedras e bichos estranhos. Antes desse emaranhado, apenas oceano. Antes do oceano, apenas um lago. Antes do lago, a primeira onda. E antes da primeira onda, o primeiro surfista.

O primeiro surfista era um cara paciente. Ainda não falava bróder, nem qualé, porque a língua não havia sido inventada. Teria que esperar talvez a passagem do paleolítico para o neolítico para poder fazer um cordãozinho para o pescoço, mas não tinha pressa. O cabelo era comprido, pois não tinha como cortar, e assim ele se achava moderninho. O primeiro surfista não sabia quando o mar ia dar onda boa. Na verdade, não sabia nem quando o mar seria mar, e as ondas seriam ondas, por isso se contentava com as primitivas marolas pós-Big Bang. Era apaixonado por uma havaiana de cabelos longos e dançarina de hula-hula, mas ainda teria que esperar o Havaí ser inventado para encontrá-la. Cantarolava umas músicas de Bob Marley, mas sabia que o rastafarismo era coisa dos anos sessenta, e muita água ia rolar antes disso. Depois disso e durante isso. O primeiro surfista não precisava tomar calmante. Era, ele próprio, a calmaria. Que, quem sabe, trouxe Cabral até aqui.

segunda-feira, 29 de outubro de 2007

caramba, hoje é dia 29 de outubro, quase uma da tarde,

daqui a pouco estou com setenta anos.

sexta-feira, 26 de outubro de 2007

púrpura, rubéola
tenho certa vontade de contrair
as doenças proparoxítonas

quarta-feira, 24 de outubro de 2007

bundões

Quando era menor, havia um menino que chamava de
boboca
Outro dia esbarrei com ele, e achei-o um verdadeiro
babaca

Moral da história: passa o tempo, mudam as vogais,
mas os bundões continuam iguais.

segunda-feira, 22 de outubro de 2007

a árvore

a árvore
não consegue se esconder de ninguém
coitada.

ela fica o dia inteiro totalmente
plantada.

domingo, 21 de outubro de 2007

o quadro-negro

De tanto ser rabiscado e apagado, rabiscado e apagado,
o quadro-negro, quem diria, acabou tomando conhecimento. Ficou sabido que só.
Sabia ciências, história, literatura, geografia, e até o significado da palavra mastectomia.
O quadro-negro também sabia fazer declarações de amor e xingar o professor.
Um dia, do alto dos seus pensamentos de quadro, ele reparou: que sala de aula mais vazia!


(termino depois. hoje é domingo, que preguiça.)

sábado, 20 de outubro de 2007

O menino,
imagina!,
gostava de mascar rosas vermelhas.

quinta-feira, 18 de outubro de 2007

se o céu é um monte de nuvem azul
com anjinhos tocando harpa,
tô fora.

terça-feira, 16 de outubro de 2007

Secador

secador - objeto que Dóris usa para desamargurar. Seca toda a dor. Apesar de velha junkie, Dóris sempre teve alma de poeta concretista.

segunda-feira, 15 de outubro de 2007

O novo bonde

Como toda menina que se preze, fiz balé durante muito tempo. Dos trÊs aos doze, eu acho. É praxe por essas bandas colocar a filha em aulas de balé, e eu mesma vou enfiar a minha filha numa dessas, acho que a partir dos seis meses. Plié, coupé, passé, developé, primeira, segunda e terceira posições. Vi várias vezes O Quebra-nozes, O Lago dos Cisnes, Gisele, e por aí vai.

Eis que ocorreu o seguinte: cresci. E sou louca por funk.

Com o funk não dá para dançar na ponta do pé. Na verdade, o pé é o que menos importa. Somos obrigadas a nos deparar com outra parte do corpo humano, que andava tão escondida: a bunda. E balançar a buzanfa exige outro tipo de lógica, que as meninas educadas no balé nem sempre conseguem aprender. Por isso, decidi lançar um grupo, ou melhor, um bonde. Vai se chamar "As disléxicas do funk". A gente bate bum-bum errado, abaixa e levanta na hora errada, está sempre um passo atrás nas coreografias, dança meio balé meio funk meio lambada, fala as gírias com um quê de desfamiliaridade, mas continua gostando de funk. Disléxicas, juntem-se ao bonde. Já é.

sexta-feira, 12 de outubro de 2007

agenda de revolucionários

Fiquei sabendo dia desses que, naqueles tempos, eles prenderam muitos inocentes apenas porque tinham na agenda o telefone de alguém do movimento contra a ordem. Bastava ter o o rascunho de um contato para também ser considerado anti-sistema. Fiquei preocupada, Não estou podendo ser presa por esses dias. Mês que vem, quem sabe, cabe melhor no meu cronograma.
Daí fui olhar a minha agenda. Entre meus amigos auto-intitulados revolucionários, lembrei de um acadêmico, que quer revolucionar as bases dos paradigmas dos estudos teóricos em comunicação. É, não oferece muito perigo. Uma outra que se proclama revolucionária diz que vai subverter a ordem da moda ao pintar as unhas dos pés de uma cor e as da mão de outra. Não me pareceu muito subversor. Finalmente lembrei do mais radicalzão dos amigos revolucionários, um cara que não come carne, nem nada que derive de animal, e que nas últimas férias foi plantar algodão em Cuba. Lembrei da figura, o mega-radical não mata nem um pernilongo. Fechei minha agenda telefônica na certeza de que não seria presa. A perseguição pelos subvertidos não me alcançaria. E fui dormir em paz. Mais ou menos em paz.

quinta-feira, 11 de outubro de 2007

Vacas que dizem muuu

As ovelhas estão em festa. Chegaram ao Rio, para uma breve visitinha, as vacas que dizem muuu. Elas estão por todo canto, colorindo a a cidade com o jeito vaca de ser. Helga, muito hospedeira, recebeu bem à beça as colegas bovinas, até conversaram sobre as diferenças lexicais entre o mééé e o múúú. Jana bolou umas festas de recepção com perfomances e tecno-trance, mas acha que as vacas não gostaram muito. Ficaram muuudas, imagina. Só Amélia, a ovelha mais trés-chic, é que ficou um pouco enciumada com a visita das amiguinhas. Afinal, pintou por aí uma tal de top múúúdel, que está atrapalhando o estrelado de Amélie - mesmo com as novas madeixas cor de abóbora.

Muuuito prazer, vaquinhas! O ovelhas que dizem mé saúda as vacas que dizem mú. Aqui tem espaço para todo um pasto, e ainda para peixes, aves e jabutis - que dizem alguma coisa que ainda não entendi!

terça-feira, 9 de outubro de 2007

jabuti

Lá nos primórdios, eu queria ser bailarina. o palco, a purpurina, a pontinha do pé.
depois, aeromoça. a sensualidade disfarçada de serviência.
Acaba que meu diploma não é nem em balé, nem em aeromocismo.
No fim das contas, a cada dia que passa penso que ser um jabuti é a grande solução.
Eu já entrei para a sociedade dos jabutis. Estou só aguardando a minha carteirinha. E o meu brinde de novo membro da sociedade, ouvi falar que tem. Os jabutis são muito atentos a essas coisinhas. Jabuclara, ou Clarati.

domingo, 7 de outubro de 2007

eu e o jazz

Eu adoro ouvir jazz por dois motivos: 1. é um gênero que muito me apraz; 2. eu não entendo porra nenhuma de jazz.
Por que o jazz me toca, isso é da ordem do inexplicável - algumas coisas batem, outras não. Por que eu não entendo porra nenhuma de jazz, já é bem explicável: eu nunca li nada sobre, nunca conversei com pessoas do ramo, chego até a evitar o assunto. Contradição? Óbvio que não. Se eu escuto funk, por exemplo, ou samba, não é uma escuta leve e prazenteira. Eu fico ligada na letra, penso alguma relação com alguma outra coisa que já escutei, faço uma genealogia do autor, anoto alguma idéia num pedaço de guardanapo. Se eu escuto jazz, meu oco musical é tanto que não consigo pensar em nada, só escutar. Daí tudo flui. Donde se conclui, bestialmente, que a ignorância salva. Estou pensando em aplicar esse raciocínio pra outras coisas.

(outro dia um amigo me disse que os entendidos de jazz não falam diéz, na pronúncia inglesa, e sim jaz, como se estivessem lendo em português. Por mais ufanista que seja, não consegui adotar a medida. Jaz para mim é coisa de tumba.)

domingo, 30 de setembro de 2007

escriba em crise

nao, nao abra a boca.
ja sei o que voce vai falar.
todos os dialogos ja foram escritos.

quinta-feira, 27 de setembro de 2007

Eu e Marcel Marceau

Por bem conjugar verbos no passé composé, ganhei de minha professora de francês dois ingressos para assistir a uma palestra de um artista francês muito importante. Eu tinha treze anos e cabelos muito compridos, e minha mãe prontificou-se a me levar.
Antes da conferência, esmerei-me em revisar meu conhecimento no idioma: conjugações, vocabulário, e, principalmente, verbos irregulares, que vira e mexe me confundiam. Escutei umas fitas cassete que acompanhavam o livro didático, para despertar o ouvido e não perder nenhuma palavrinha sequer do artista. Tirando os repórteres da TV francesa e alguns gringos assanhados, nunca tinha ouvido nenhum francês falar, ainda mais um artista.
Fui para a tal palestra. Minha mãe segurava minha mão, para que eu não me perdesse. Era muita gente, com pernas muito compridas. Finalmente sentei, e o tal artista não abria a boca. Mas, que esquisito, eu bem o entendia, com mais clareza que qualquer passé composé. Ele falava com as mãos, o umbigo, o fio de cabelo mais curto, o dedo mindinho do pé esquerdo, os pêlos das narinas, a vértebra de número 13. Falava com as pré-palavras, quem sabe. Com algo que está na cabeça e no peito, e, que bestas, nem nos damos conta. E assim conheci a não-linguagem-universal do maior mímico do mundo, Marcel Marceau. Nessa língua, não existem verbos irregulares.

Agora Marcel Marceau está falando com os fantasmas. E eu aposto que a não-língua deles é igualzinha à nossa.

domingo, 23 de setembro de 2007

branca

momento de tensão:

será que a maçã da Branca de Neve
tinha agrotóxico?

(isso pode mudar toda a história)

Dia de feira

Domingo é dia de feira.
No horti-fruti, as frutas vêm sem agrotóxico.
E, pior, sem feirante.
Quanto ao agrotóxico, eu não tenho nada a comentar.
Quanto ao feirante, esse sim faz muita falta. Até tentei interagir com uns funcionários, mas eles responderam "a senhora estaria procurando alguma coisa?", "como posso ajudá-la?". Céus. Funcionários uniformizados, prova de fruta em potinhos separados. Lá se foi o tempo em que os feirantes eram livres.
Fiquei pensando que o horti-fruti, como empresa preocupada com o bem-estar seus clientes, podia oferecer um curso de feirante para aqueles funcionários. Algo do tipo, lição 1, só falem berrando. Gesticulem muito, principalmente com os braços. Elogiem todas as menininhas e também as senhorinhas. Ofereçam provas da mão de vocês, e não separadas em um potinho embalado a vácuo. Não usem luva, nem máscara. Errem a concordância verbal.
Sabe como é, "menina bonita não paga mas também não leva" faz falta no domingo do ser humano. Pelo menos do meu ser humano.

sexta-feira, 21 de setembro de 2007

Cascavel

Nunca fui chegadíssima em geografia, mas ultimamente estou aprendendo muitas coisas importantes sobre cidades brasileiras.

Sobre Cascavel, no Paraná, eu sei que:
1. É a primeira cidade do mundo em que aconteceu um gol de goleiro.
2. É a cidade com mais dedos do Brasil.

quarta-feira, 19 de setembro de 2007

desembaçando

Do meu avô, tiraram o baço.
Como eu não sabia muito bem o que era baço, fiz uma cara de triste.
Daí perguntei pra minha prima o que era baço.
Ela disse um monte de palavras com ócito.
E eu continuei sem saber se o baço se parece mais com uma xícara,
com o pôr do sol,
ou com os cavaleiros do zodíaco.

Daí falei pro meu avô:
Ih, vô, relaxa.

O baço só embaça.

O baço
é chato
à beça.

(silêncio)

domingo, 16 de setembro de 2007

a sujeira

O nome da sujeirinha
que se acumula no umbigo
é flunfa.

sexta-feira, 14 de setembro de 2007

o velho engolidor de insetos

o velho não sabia se me fitava com curiosidade, ou se me dizia o que tinha para dizer. enquanto pensava, tateava a parede, pegava com força e engolia um dos muitos insetos que se arrastavam pelas paredes daquele sobrado colonial.

afinal balbuciou alguma coisa. me diga logo o que quer que eu adivinhe, eu não estou aqui de brincadeira. e engoliu uma traça.

meu coração sobressaltou. como aquele velho sabia que eu estava desejoso de uma adivinhação? quem adivinha a vontade de adivinhar bom adivinhador será. sempre quis que alguém proclamasse o meu futuro para eu mesmo não ter trabalho de ir adivinhando a minha vida ao mesmo tempo em que construo. dá trabalho pra cacete. você devia ter nascido com manual de instrução, minha ex sempre dizia isso. amassei uma formiguinha entre o indicador e o polegar e pensei, ainda se fazem bons pais de santo nessa merda de país. enquanto me livrava do inseto e limpava o sangue na camisa, fiz a pergunta ao velho.

agenda

Já perdi duas agendas esse ano. Eu compro, anoto coisas, vejo meu dia-a-dia organizado, e pimba, perco. Quando perdi a segunda agenda 2007, resolvi que a minha agenda seria a minha cabeça. Afinal, essa eu não posso perder, né? Quem dera. Nada é mais perdível que a própria cabeça. Pelo menos a minha. Me bateu um desespero. Por Júpiter, como vou decorar essa penca de prazos para entregar coisas, festas, colação de grau, burocracias da vida? Terei que contratar um lembrador profissional? Alguém para ficar me ligando e lembrando? Clara, leia isso. Escreva. Clara, beba água. Vá ao banheiro. Clara, cadê o vestido para a festa de domingo? É hora de fazer exame de sangue. Muito bem, Clara.
Estou tentando evitar o lembrador profissional, apesar de já ter dado uma espiadinha nos classificados. A estratégia agora são os post its no monitor. Minha tela tá hiper carnavalesca, um monte de papelzinho penduradinho. Todos os meus prazos estão ali. Vamos ver se dá certo. Tomara que não bata um vento e leve tudo. Se isso acontecer, acho que vou para a praia.

quarta-feira, 12 de setembro de 2007

os cabelos de Clara

Existe uma cena que se repete todos os dias na minha vida: eu, desesperada, insandecida, alucinada, procurando um prendedor de cabelo. Tateio bolsos, mesa, computador, banheiro, mochila, marmita, bolso, mesa, ei, peraí, acho que já procurei por aqui. Enquanto isso, posso jurar que meu cabelo cresceu três metros, está esvoaçante, ameaçando entrar na minha boca e invadir minhas orelhas.

E por que você não corta o cabelo, ô anta?, me perguntaria alguma amiga com certo senso de razoabilidade. Ok, ter cabelo curto soluciona muitas coisas. Mas, mesmo quando o meu estava menor, queria prender e ficava agoniada para achar um elástico. Muda a qualidade do prendedor: para cabelos curtos, grampinhos trés chic, e não elásticos gigantescos. Mas não adianta cortar, o problema continua. Tem uma hora, momento certo e inevitável, em que o cabelo atrapalha. Estive refletindo sobre isso e concluí que é a proximidade com o cérebro. Vai que os meus já escassos bons pensamentos escapolem pelos cabelos e vão parar no meio da rua? É por isso que sempre tenho um prendedor por perto. Em algum lugar que ainda vou encontrar.

segunda-feira, 10 de setembro de 2007

as risadas

Atrás da porta, ouço risadas. O velho entra, eu fico do lado de fora. A porta entreaberta deixa escapar uma luz intermitente, que em nada combina com o cheiro agudo e desesperante de bicho podre que vem do mesmo lugar. As risadas pesam no ar. O velho percebe que não entrei e retorna a porta, abrindo-a mais um pouco. Tento espiar, mas não adianta.

Risadas sempre me amedrontaram. Nunca consegui me convencer de que risadas seriam expressão de felicidade. A felicidade não tem ruído, é seca e muda. Risada ou é nervosismo ou conivência social. Mas as que saíam daquela porta, eu não saberia definir. "É aqui, venha ver!", o velho me seduzia. Dei um passo à frente. O mural na parede me fitava. A rua lentamente ficava para trás, e eu entrava em outra dimensão.

domingo, 9 de setembro de 2007

tropicália

ontem fui na exposição da tropicália, no mam.
ok, como pessoa mega-blasé-cult-informatizada-com-óculos-de-armação-quadrada,
eu deveria comentar a curadoria da exposição, as obras dos principais artistas, os andaimes, as experiências sensoriais de clarck e oiticicca, o concretismo.
mas eu não vou fazer isso.
então, se vc não gostou, já pode parar de ler.
o fato é que, quando saí de lá, eu descobri que o caetano está velho.
o gil está velho.
a rita lee, gagá.
se passaram uns trinta anos e nada do que eles falavam mudou - ou quase nada.
se passaram uns trinta anos e isso aqui continua sendo o país do futuro.
se passaram uns trinta anos e nenhum de nós jovenzinhos ferve de revolução,
de inovação, de dar a cara para bater.
e trinta anos, meus caros, não é nada.
daí uma coisa passou pela minha cabeça:
taqueospariu.

quinta-feira, 6 de setembro de 2007

Ovelhas invadindo

Julita andava com uma mania de funk. Vivia cantando e rebolando o traseiro felpudo de ovelha jovenzinha. Helga não gostava muito daquilo, estava muito entretida com suas leituras de Marx no original alemão. E Amélia andava cheia de tédio, querendo aprontar alguma.

- Ovelhas, este blog anda muito sem-graça!, resméngou Amélia.
- Méééé, todas concordaram.
- Temos que mudar a diagramação, agitar os comentários, fazer alguma coisa!
- Mé-méééé!, as ovelhas adoraram.
- Já sei, disse Helga, desgrudando os olhos do original alemão. Precisamos sair dessa tela de blog. Vamos invadir a barra de endereços! Não aguento mais essa prisão. Vamos colocar a nossa marca lá em cima! Quem concordar, grite mééé!

Todas gritaram, menos Julita, que puxou um sonoro ú-ú-vamu invadí. Êta ovelha revoltada. Ao ritmo do funk, nossas ovelhas queridas conseguiram chegar à barra de endereços do navegador, lutaram fortemente contra o ícone residente e o desbancaram.

Viva as nossas ovelhas! Agora elas estão na barra de endereços, deixando a internet mais ovelhísticamente hipertextualizada.

quarta-feira, 5 de setembro de 2007

meu dicionário

Urra - diz-se do que o ser humano faz quando leva um belisco.

Surra - Algo não muito próximo de carinho. Para ser mais clara, foi o que Mário deu em João. Também, assim não dá, me contou Mário, um belisquinho até vai, mas três, e na nuca, merece uma surra.

Sussura - O que fazem os apaixonados e os que guardam segredo. E também João, que depois da sova sussurou para Mário: eu ainda te pego, Mário, com meus dedinhos belisquetes...

terça-feira, 4 de setembro de 2007

Santos

Esse fim de semana eu tive o infortúnio de ir para Santos.
Antes de conhecer, eu sabia que essa era a cidade dos Mamonas Assassinas e da estrada do Roberto Carlos.

Agora eu sei que:
Em Santos, o tênis desamarra toda hora.
Em Santos, nenhuma caneta funciona.
Em Santos, todos os taxistas são surdos.

segunda-feira, 3 de setembro de 2007

A autora se apresenta

Ok, vamos lá.

Meu nome é Clara Fernandes Meirelles. Não nasci em dezembro, não falo chinês e não sei fotografar. Há um tempo atrás, não gostava de berinjela. Não pratico esportes radicais. Não curto quem dá esporro em criança. Não consigo andar em perna de pau. Não sei fazer mapa astral e não sou devota de Santa Rita de Cássia.

Meu nome é Clara e tá super na moda. O Fernandes veio de algum lugar não muito distante. O Meirelles veio da Espanha. E eu vim da barriga da minha mãe, assim como vocês - das suas respectivas mães, ô engraçadinho. Não sei de onde veio o mundo, mas aposto na teoria do big bang. Se bem que aquela da criação é bem divertida.

Esse ano decidi explodir minha vontade de escrever em algum lugar. Daí, óóóó, acabei entrando nesse mundaréu de blogs da internet, minha principal maquininha de diversão. Ganhei uns concursos de literatura por aí, que me renderam publicações em livros. Escrevo crônicas, contos, textos infantis e coisinhas non-sense.

Ah, importante: adoro mate com limão. Principalmente o do galão. E acho kiwi o mamífero mais divertido do mundo.

(E o blog saiu do anonimato...)

quarta-feira, 29 de agosto de 2007

Eu e a Frida

Hoje estava me sentindo meio Frida Kahlo.

Mas não sabia muito bem porque estava me sentindo meio Frida Kahlo.

Frida teve paralisia infantil, sofreu um acidente num bonde, fraturou três vértebras e a pelve, sofreu vários abortos e ficou estéril, depois teve osteomielite e precisou amputar o pé, no total fez mais de trinta cirurgias. Paralelamente, tornou-se uma gênia da pintura modernista e surrealista, deu pouso a Trotksi e conheceu André Breton, coloriu México como ninguém.

Continuava sem entender porque me sentia Frida. Que eu saiba, em nenhum desses pontos me aproximo dela. Ou será que aquele cara que conheci ontem era o Trotski?

Daí olhei no espelho e entendi: as sobrancelhas. Frida era meio monocelha, e eu estou ficando. Pinça já! Corri pro telefone e marquei hora no salão de beleza.

Mas ainda acho que não é só isso.

declaração de amor

Meu amor, você
com essas negras pulseiras
desperta tantas lembranças
como as algemas que me colocaram porque dei uns socos num cara na Vila Mimosa

Chuva no Rio

Não entendo qual é a enorme graça de passar com o carro bem rápido na poça de água de chuva e molhar todos os pedestres. Quase dá para ouvir a risada de bruxa do motorista dentro do carro: mais um encharcado, mais um, hahahahaha. O cara deve ficar o dia inteiro vendo sites na internet só para saber quando vai chover. Daí começa a chuviscar e ele sente uma vibração interior, é a hora, é a hora. Começa a se arrumar devagar, enquanto a chuva aperta, daí pega o carro, amacia o motor suavemente, sai à rua e, chuá, molha todo mundo, hahahaha. No rádio do carro, talvez, uma sinfonia de Beethoven.

Por isso decidi adotar a capa de chuva. A minha é rosa. Vocês vão ver só, seus motoristas, a Clara Rosa anti-pingos vem aí.

segunda-feira, 27 de agosto de 2007

Ovelhas em Recife

Capibaribe, Boa Viagem, Sarapatel: as ovelhas ficaram encantadas com Recife. Helga deslumbrou-se com o Maracatu, Joana com o povo delicado, e mesmo Amélia, fresca que só, adorou o sorriso largo daquele povo. As três, imagina, até já pegaram sotaque! Eita ovelhada arretada! Fizeram contato com umas ovelhas recifenses e já estão se programando para o carnaval. Até ganharam um repente de presente!

Está inaugurada a conexão ovelhística de literatura Rio-Recife! Mééééé!

segunda-feira, 20 de agosto de 2007

nós, os ansiosos

É muito fácil reconhecer um ansioso. A dica maior está logo ali, entre o cérebro e os membros superiores: pizza. Ansioso que se preze tem pizza. Não adianta, pode estar frio, calor, outono, ventos primaveris, o suor pizzesco não nos deixa em paz. Isso não quer dizer que é fedorento não, ô engraçadinho. Nós ansiosos também compramos desodorante. O problema é que parar de suar é um desafio.

É feio, eu sei. Ai, ai, ai, menina feia, não era pra ficar escrevendo essas coisas aqui. Já troquei de desodorante umas vinte mil vezes, mas o problema não é esse. O ansioso nunca está onde está, existem mil áreas do cérebro em funcionamento em um só momento, o que dá motivo para o transbordamento da ansiedade - e das pizzas. No fim das contas, o que interessa é que o sovaco é o órgão que melhor manifesta a loucura esquizofrênica. Se as milhares de pesquisas médicas psiquiátricas nunca descobriram isso, é porque menosprezam a capacidade sovacal. Dia desses me perguntei: será que o sovaco pensa? Acho que pensa. Acho que é uma extensão do cérebro. Sinapses, sinapses. Vou tentar ler com o sovaco dia desses. Ou não. Sei lá. Socorro. Vou parar de pensar, estou ficando com pizzas.

o vagalume

Todo dia acontece alguma coisa inesperada na vida das pessoas. Mas não na de Oswaldo, o Vagalume. Desde quando inventaram a luz elétrica, Oswaldo havia ficado muito deprimido. Qual setria a função de sua existência no mundo? De onde vinha, pra onde ia? Vagalumes são coisas ultrapassadas. Ninguém mais precisa daquele brilhinho. Oswaldo tinha saudade dos tempos em que era astro, em que as pessoas ficavam correndo atrás dele. Breve fama. Agora andava se arrastando pelas ruas. Levando susto com a lanterna dos carros.

Oswaldo estava comendo um pastel no china quando conheceu Lavínia, a lâmpada. Foi amor à primeira piscada. É bem verdade que eles estavam um pouco longe, mas Oswaldo se esforçou e


(continua. me deu preguiça.)

quinta-feira, 16 de agosto de 2007

escrever

escrever é uma tortura.
deliciosa.

terça-feira, 14 de agosto de 2007

declarações de amor

Meu amor,você
com esse perfume
me traz tantas lembranças
como o repelente que levo para Mauá.

domingo, 12 de agosto de 2007

Priscila, minha amiga de escola

Com a Priscila eu estudei o primeiro e o segundo anos. Ela tinha peitos enormes. Os sutiãs eram sempre coloridos, embaixo do uniforme colegial. Tinha uma verruga horrorosa no ouvido esquerdo. Ou direito, não lembro muito bem. Tinha ranço de francesa, falava meio fazendo biquinho, e os meninos gostavam. Colava pra dedéu. Sempre do cara da frente. Ou do lado, não me lembro muito bem.

A coisa mais bonita que me lembro de Priscila é que ela tinha um caderninho secreto. Com a letra gorda de quem pouco escreve, havia preenchido uma brochura inteira. Só sonetos de Vinícius. Categorizou em fases de namoro: início, deslumbramento, realidade, decepção, fim. Um dia ela me mostrou o caderninho. Tem certeza? Tenho, abre aí. Nossa. Você lê para os namorados, Priscila? Não, mas os sonetos me acalentam. Quer um? Toma aqui. E rasgou a página.

Priscila queria ser engenheira. Ou oceanógrafa, não lembro muito bem.

quinta-feira, 9 de agosto de 2007

Auto-assunto

Existem uns caras nas ruas do Rio que têm por profissão levantar a auto-estima das mulheres. Eles se espalham em pontos estratégicos só para falar: gostosa! boneca! com essa eu casava! fiu-fiu! E por aí vai. Para quem acordou de mau-humor, se achando uma ameba podre, esses caras são muito úteis. Basta colocar uma roupinha justa ou mais curta que é tiro e queda.

Ultimamente ando reparando num fenômeno estranho. Ao invés de tecer elogios, os caras me olham e gritam: concordo! é isso mesmo! Comecei a me perguntar, céus, o que está acontecendo comigo? Daí descobri: eu falo sozinha o tempo inteiro. Posso estar triste, feliz, puta, qualquer coisa é motivo para falar sozinha. Conto coisas para mim mesma, invento histórias, dou risadas, resolvo a vida dos outros, reclamo dos impostos bancários, lembro da minha avó que morreu, tudo falando sozinha. Por isso os gritos de concordo! dos caras da rua. Já tentei parar com isso, mas é muito difícil. Às vezes eu tento disfarçar com óculos escuros, mas acho que não funciona.

Resumindo: nunca mais serei chamada de boneca pelos profissionais do levantamento de auto-estima. Mas, de repente, um dia eles querem saber o meu auto-assunto.

terça-feira, 7 de agosto de 2007

A kombi da Cardoso

Todo dia, do trabalho para casa, eu tomo uma kombi. A kombi da Cardoso. Na verdade, são dois motoristas que se revezam, o Seu Dionísio e o Seu Marcos. O Seu Dionísio é surdo, meio cego e, mesmo assim, motorista. Isso é que é persistência. O Seu Marcos é todo alegrinho, bem vestido, pastor numa igreja e vive me dando conselhos. Eu aceito todos.

Os papos da kombi são ótimos. Aumento no preço da farinha rende umas três viagens. A existência do sete peles, então, dura um mês. Dia desses a velhinha falou pro Seu Marcos, o motorista pastor, que acha que ele não é cristão de verdade. Ele não deixou barato: prometeu nunca mais comprar fermento pra ela. Semana passada a vizinha da casa laranja apareceu com um buquê de flores e disse que era presente de uma colega de trabalho, que deu assim na base da amizade. Na base da amizade? Isso me cheira a lorota, grunhiu Seu Dionísio. Daí eu ajudei a montar uma desculpa pra ela contar pro marido. Ainda não sei se funcionou.
Hoje conversei com uma vizinha que quer morar em Miami. O frio do Rio é muito fajuto, ela explicou. E tinha também uma mulher que não suporta andar para trás. Sabe aqueles bancos de kombi que ficam andando de costas? Então. Ela não senta ali nem a pau. Acha atraso de vida.

É por isso que não moro no asfalto.

(adoro a cassia eller, mas ela podia ter tomado umas aulinhas de francês.)

sábado, 4 de agosto de 2007

Banguela

Banguela era iniciante, mas estava gostando do trabalho. Só estranhou quando lhe passaram a nova tarefa.

Centro espírita, Anselmo, não estamos indo longe demais, não?
Sossega, Banguela, tá cheio de bacana, é só chegar e fazer a limpa. Tu é do serviço ou não é?

Banguela arrombou a porta num só soco. Todos reagiram com um susto. Menos um, o médium. Ao invés de se jogar no chão, ele andava. Atira logo, Banguela! Não dá, não dá! Algo o impedia de puxar o gatilho. Deixou que o médium tocasse em seus cabelos. Fitou aquela face e reconheceu, no sorriso suave e no cafuné: era sua tia Dolores. A vergonha percorreu as vértebras como um assobio.

quinta-feira, 2 de agosto de 2007

engano

Alguém um dia vai me olhar bem firme e falar: ei garota, descobri tudo. Não tente me enganar.

terça-feira, 31 de julho de 2007

20 e 50

Esse excesso de liberdade me sufoca. Tantos caminhos, tantas possibilidades. Escolhi duas em um milhão. Meu coração mandou. Agora tenho que ser boa, suo, tenho que fazer bem, suo.

Diariamente acontece uma briga: eu comigo mesma aos cinquenta. Às vezes aos trinta, às vezes aos setenta. Se um dia eu coincidir no tempo comigo mesma, me anulo. Bem ou mal, a fila de ilusões me alimenta. Os sonhos que são meus ou que são sonhados para mim.

Espero que nunca entre na Voluntários da Pátria e me pergunte: céus, onde é que estava sendo que já não fui?

segunda-feira, 30 de julho de 2007

Rani, o siri

Essa é a história do siri que se apaixonou por uma elefanta.

Como muitos siris, Rani estava na praia, cumprindo com seu ofício de sirizar. Rani sirizava seriamente, prum lado e pro outro, os olhinhos pra lá e pra cá. Se dava bem como todo mundo, tanto com os bem-te-vis quanto com os girinos. Era o rei da areia! Dizem até que Pequena, a sereia, tinha uma certa quedinha por Rani.

Eis que um dia, pou, pou, a terra tremia como jamais tremeu. Rani arregalou os olhinhos: são elefantes! E todos se esconderam onde puderam. Menos ele. Siri que é siri só se esconde se estiver sirizando, não por medo de uns elefantinhos. O chão trepidava cada vez mais, e Rani começou a pensar em se esconder.

Até que viu Samanta, a elefanta.

O coração de Rani bateu forte. Era a primeira vez que via tão elegante criatura. Quanta classe, quanta ternura! Aprumou-se todo quando viu que Samanta aproximava-se.
O cemitério de elefantes é aqui?, perguntou a elefanta.
Depois do precipício, a segunda à esquerda, respondeu Rani, muito cortês.
Depois do prepício? Eu tenho medo!
Não tem problema, eu te acompanho.

Daí eles foram conversando por todo o caminho, até chegar no cemitério. Quando se despediram, Rani não se conteve, e declarou todo seu amor. Samanta, minha elefanta, você em nada me espanta! Você em meu coração manda! E não é que Samanta respondeu? Rani, meu siri, não quero mais sair daqui! Sem você não posso ir! E os dois beijaram-se longamente.

(Como foi o beijo? Eu vi, mas não posso contar. Assim vocês imaginam e o beijo fica ainda mais bonito! Beijo de elefanta com siri.)

quinta-feira, 26 de julho de 2007

despedida em diálogo

tudo bem, eu saio daqui, mas só com a poltrona da sala, meus discos dos rolling stones, a coleção de chapinhas, como assim não vai deixar?, o nebulizador, o sombrero, o monitor novo, advogado pra quê?, metade da poupança, dona firmina três dias na semana, os cupons de desconto na farmácia, quer que eu chame uma ambulância?

declarações de amor

Meu amor, você
sussurrando ao meu ouvido
é tão misteriosa
como um rádio tentando pegar

terça-feira, 24 de julho de 2007

Revolução dos cravos

Muitas casas têm manias. Aqui rola uma mania de cravo. Isso mesmo, cravo, aquele que brigou com a rosa. Qualquer prato tem que ser feito com cravo: bolo, arroz, carne, língua, moela de gato, cérebro de avestruz, qualquer coisa.
Dia desses vi um cravo na parede. Estava preso entre a parede e a moldura da porta. Meu Deus, será que os cravos saíram daquela panela de feijão e foram parar na parede? Comecei a achar que eles ficaram revoltados com o uso culinário e resolveram fugir para o jardim. Bem provável. Cravo é meio experimentado nessa coisa de revolução. Mas não era isso não, aquele cravo estava ali de propósito. Para espantar formigas. Isso me contou minha tia-avó, que estava passando uns dias aqui. Ela disse ter conhecimentos amplos em ferormônios. E que cravo não se dá com formiga.

Aliás, cravo não se dá com ninguém, né? Nem com rosa, nem com formiga, nem com ninguém. O único mistério indissolúvel, é o motivo que levou o cravo e a rosa a brigar debaixo de uma sacada. Alguém explica? Tanto lugar pra brigar! Vai que a sacada cai? Aconteceu outro dia em Copacabana.

(Resolverei esse mistério daqui a dois dias, na seção "uma canção e um comentário".)

Seu Manduca

O nome era Seu Manduca. E as pernas já quase não se aguentavam em pé. Magrinho, grisalho, gostava de sentar aos pés da amendoeira e pensar em nada. Quer dizer, a nós parecia que não pensava em nada. Quem sabe em seu passado, não sei, havia sido técnico de aquecedor. Mas ele bem sabia que pensava em tudo.

Seu Manduca brincava com as crianças que passavam perto da amendoeira. Mãe, olha lá o monstro! Ele fingia que não escutava. Ê mundo desregulado. Pior que fusível queimado. Seu Manduca passava horas na amendoeira, olhando o caminho das formigas, até ajudava a fazer a casa de formigas. Não se sabe como, com aquele tamanho todo, ele conseguia ajudar as formigas. Mas ele nem aí. Gostava das insignificâncias.

Certo dia, Seu Manduca achou uns fósforos no chão. Os fósforos estavam queimados, usados, alguns até pisados. Se abaixou, as pernas trôpegas, e colocou os fósforos no bolso. A mulher retrucou: fósforos queimados, Manduca? E o que você vai fazer com isso? Seu Manduca nem aí. Gostava das insignificâncias. A partir disso, a gente quase não via seu Manduca na amendoeira. Mãe, cadê o monstro? Seu Manduca virou um andarilho, vagando pelas ruas a procura de fósforos. Os fumantes faziam galhofa. Ih, lá vem o Manduca, confiscador de pulmões! Acendiam o fósforo, depois o cigarro e davam uma baforada bem na orelha dele. Seu Manduca dava umas tossidinhas e ia embora. O pescoço, que andava meio emperrado, agora conseguia mover-se para baixo, e Manduca seguia procurando fósforos quarteirão acima.

Alguns falavam, o velho está maluco! Endoideceu de vez. E a vizinha do primeiro andar disse que mania de fósforo é coisa de técnico de aquecedor aposentado. Afinal, com o chuveiro elétrico isso quase não existe mais. Mas Manduca tinha, sim, algo secreto, que só ele, com aquela cabecinha de Manduca, aquelas pernas de Manduca, e aquele jeito de reparar no nada poderiam fazer.

(continua...)

segunda-feira, 23 de julho de 2007

escova progressiva

Pentear o cabelo é uma inutilidade, pensou Hanna, à beira da piscina. Cabelos descabelados são bem mais expressivos. Falam da alma.

Hanna virou-se e sentiu a brisa embaralhar seus fios. Levantou da cadeira rapidamente, apenas para limpar os óculos, e teve uma surpresa: Diogo estava conversando com Monique. O assunto? Escova. Ele a deitar elogios às madeixas progressivas da outra. Hanna não se conformou. Então ele não via a autenticidade, a liberdade das despenteadas?

Como quem não quer nada, Hanna jogou mais cloro na água, escondeu o creme de Monique em sua bolsa, e chamou-a para um mergulho. Vem, amiga, a água está tão gostosa! Nada lhe parecia tão retrógrado quanto uma escova. Progressiva.

quinta-feira, 19 de julho de 2007

Ginástica artística

Tudo bem, eu não ia conseguir ser ginasta mesmo. Não com esse busto todo. Desequilibra.

quarta-feira, 18 de julho de 2007

Mélosofia

Mês passado aconteceu o mega encontro multinacional intercultural nipo-judaico de ovelhas que dizem méééé. Foi um arraso! As ovelhas se uniram e tornaram público o manifesto da mélosofia. Confesso que já adotei.

1. Acorde e diga mé para o mundo.
2. Abandone o ohm, médite em mé.
3. Quando estiver no chuveiro, cante dó-ré-mé.
4. Não fique médindo carinho, nem cafumé.
5. Méta a boca no trombone.
6. Não tenha médo de ser méloso.
7. Assuma o gosto méin-stream.
8. Use méias fenoménais.
9. Encontre sua métade no méio da rua.
10. Invente sua própria mélosofia.

Alguém acompanha?

terça-feira, 17 de julho de 2007

pente

pente - objeto que, apesar de mostrar as garras a todo instante, é bondoso que só. usado para dar forma aos cabelos das donzelas. E também dos moços, a partir da máquina 1.

de repente - quando o pente se derrete. o pente tem coração mole, é só ver um cabelo bonito que ele começa a se derreter todo. assim, do nada, o pente de repente.

pentelho - tipo especial de pente. próprio para pessoas assim mais exóticas que penteiam o lho. Isso mesmo. fazem questão que os lhos estejam sempre em ordem. Daí têm que usar o pentelho. Cada um com os seus lhos.

segunda-feira, 16 de julho de 2007

?

Os bem-resolvidos que me desculpem, mas crise é fundamental.

Ginástica artística

Tenho muitas manias.

As mais recentes são maquiagem e Pan. Não, calma, eu não fico passando baton e base para assistir às provas de atletismo na TV. Assisto sem maquiagem mesmo.

Tenho um especial apego pela ginástica artística. É muito instigante. Só vejo um problema: sei onde está a ginástica, mas não sei onde está a artística. Numa boa. Que estranho ideal de perfeição é esse jogado na Daiane, na Jade Barbosa, na Daniele Hypólito? Seria isso alguma coisa próxima da arte? Só se for a arte renascentista. Daí a prova tinha que se chamar barras assimétricas renascentistas, salto no cavalo com alças renascentistas.

Depois de executar a prova, saltos para lá, saltos para cá, vrum, vrum, elas dão aquele pinote - tão bonitinho, estou tentando fazer igual - e vão esperar a nota. Esperar a nota. Esperar a nota. Os segundos mais angustiantes da vida: algum perito em ginástica pseudo-artística vai avaliar se tudo o que você fez o ano todo valeu a pena. 365 dias em um segundo.

Por isso eu acabei de fundar o festival do pulo livre. Venham, Daiane, Jade, Daniele: aqui vocês podem pular num pé só, podem se estrebuchar na barra, podem plantar bananeira de cabeça pra cima, aqui não tem regra, não tem sim ou não. O corpo, queridas, é só um volume que desenha o espaço.

domingo, 15 de julho de 2007

que nada

hoje eu não tenho nada para dizer.

então não vou ficar entubando textos no blog.

quer dizer, tenho algo a dizer sim:

rímel incolor não faz efeito.

sexta-feira, 13 de julho de 2007

o astrólogo

tremia. era a primeira vez que estava ali. a bola de cristal a intimidava. tinha medo do futuro profissional, tinha medo do astrólogo.

vejo um certo brilhantismo no trabalho, que beleza, mas peraí, humm, essa conjuntura astral aqui, humm, melhor jogar búzios para ter certeza, agora sim, é isso mesmo, está bem claro, muito trabalho e nada no amor. querida, você nunca vai casar.

pensou se ia pagar pela consulta. decidiu que sim. mas ele também pagaria, astrólogo de bosta. você sabe o meu destino? eu também seu o seu. apertou o canivete no bolso, presente do falecido avô, e ficou à espreita na saída do prédio.

terça-feira, 10 de julho de 2007

o espelho de maria

o espelho de maria não refletia nem brilhava. o espelho de maria era de ver através.

ver através? ai que você está é ficando lelé.

o espelho de maria via o alarme que mora no peito,
via a vergonha que se esconde no intestino,
via o sorriso do dedo mindinho.

mas maria, como faz para ver isso tudo?
tem ciência não, joão, é que eu vejo com as palavras.

três frases para um melodrama

engatilhou, empunhou o revólver, todo mundo abaixado!, havia coragem no peito.
sentiu que alguém lhe escapava, quem está atrás do caixa?, ou sai ou morre anda logo.
reconheceu os fios de cabelo que apareciam detrás do balcão: era seu pai de criação.


(nova categoria: três frases para um melodrama)

segunda-feira, 9 de julho de 2007

a volta

chegar em casa, tirar os sapatos, jogar a bolsa, você já chegou?, abrir as janelas, agitar o cabelo, ligar um som, chet baker tá bom?, abrir a torneira, esfoliar a pele, colocar o roupão, vamos jantar?, esquentar as almôndegas, procurar os guardanapos, cravar o olho no retrato, você não vai voltar?

gordos e quinquilheiros

Muito se fala sobre a alma de gordo. Fulano tem alma de gordo! Se bem entendi, alma de gordo é, na verdade, um gordo auto-censurado. Que vive fazendo contas e tem uma tabela de calorias em eterno funcionamento. O sujeito desejaria ser um glutão, viver à mesa, engolindo chopp, frango à passarinho, bolos, pastéis, babar-se de fritura, de molhos, de bebidas, celebrar a fartura. Mas algo dentro dele diz que não, não posso comer tanto assim, por isso ele faz uma contas aqui, outras ali e acaba não comendo tanto. Maldito discurso da saúde. Mas a alma persiste, alma de gordo.

Pouco se fala, entretanto, sobre a alma de quinquilheiro. E olha que ela atinge muita gente nesse mundo em que a memória tem que estar sempre tão intocada. O quinquilheiro não padece da auto-censura da alma de gordo: ele simplesmente não joga nada fora, e isso não é motivo de sofrimento. Aquele bilhetinho que você mandou para sua amiga na quinta série? Guarda, um dia você pode olhar para aquilo e sorrir. Aquele nauru furado chulepento? Guarda, um dia você pode querer fazer um estilo. Aquele armário comido por cupim? Guarda, vai que um dia você quer fazer uma instalação. Aquela impressora do século passado que não funciona mais? Guarda, pode ser brinde na festa junina.

E nisso, o quinquilheiro vai precisando de espaço para acomodar seus breguedeques. Primeiro um quarto, que ganha o carinhoso apelido de "quartinho da bagunça". Depois, o quartinho da bagunça vai tomando conta da sala, dos corredores, do banheiro. Sim, banheiro. Aquele frasco de xampu? Aquele naco de sabonete? Guarda!

Em tempos de Live Earth, declaro que a alma de gordo é mais benéfica à natureza do que a de quinquilheiro.

domingo, 8 de julho de 2007

o resvalar da pele

Quando passa muito tempo longe do sol, a pele morena ganha um tom amarelado. As olheiras afundam, marcam, perfuram o rosto. Os pigmentos de espinhas e manchas se tornam mais visíveis. A pele morena nem sempre vai à praia. Nem sempre pega sol na praça.

Os branquelos dizem que têm inveja dos morenos, do eterno bronzeamento. Mas, se o moreno não é jogador de futevôlei, a chance dele estar sempre bronzeado e com cara de saudável é ínfima. Em tempos de solidão intelectual, cerramento escritorial e economia neoliberal, os morenos aos poucos ganham uma coloração hepatite C. Depois, hepatite C à beira da morte.
No fim, sem possibilidade de retorno, nos tornamos ogros.

quinta-feira, 5 de julho de 2007

às armas!

Tenho 23 anos e ninguém nunca me chamou às armas. Ninguém nunca se aproximou de mim e me convocou para a luta. Sempre aguardei o chamado que nunca aconteceu. Incrível isso, não é? Uma vez eu quase desconfiei que havia chegado o chamado. Estava no açougue e o atendente me falou: os vegetarianos estão invadindo. Pensei, é a senha, é a senha. Minha arma escondida num naco de boi, dentro do frigorífico. Fiquei nervosa, me aprumei para responder. Que engano. Ainda não era a minha vez. Mas não desisti. Outro dia tava na fila do mercado, comprando iogurtes, e a caixa me falou: promoção bolinha vermelha só até amanhã. Na hora vi que era a senha, que genial! Minha arma escondida dentro daquele sensor de código de barras. Estava me preparando para responder ao código secreto, quando vi que não, ainda não havia chegado a minha vez.
Há anos eu espero o chamado. Agora ando desconfiada de uma senhora que passeia com o cachorro na rua em que eu faço pilates. Tenho certeza que dia desses ela vai me puxar pelo braço e falar macia e seguramente: Clara, agora vc se chama Matilde. Seu código é 61. Toma essa sacola, disfarça e deixa ali na entrada do cemitério. Vai aparecer um companheiro para te comunicar da ação. Lembre-se, vc não pode mais atender por Clara, só por Matilde. As suas armas serão entregues pelo companheiro Leone, que estará de meia azul.

Mas não. Nunca ninguém me chamou para a revolução.

penalidade máxima

Ver futebol para mim é quase uma meditação. Eu olho praquela tela, aqueles bonequinhos correndo, aquela bola para lá e para cá, e não penso em nada. Absolutamente nada. Até tento me concentrar, mas não rola, futebol é altamente relaxante. Não entendo como os homens conseguem se irritar com aquilo, berram, ficam putos, brigam. Ver futebol na TV é melhor que tomar coquetel de Lexotan com Prozac em uma tarde no Sana.

Ontem, por exemplo, eu tava vendo Brasil x Equador. Não sabia quem era o Brasil. Daí perguntei para o macho mais próximo para que lado o Brasil fazia gol, para pelo menos não gritar na hora errada. Aliás, acho que os gols deviam vir com uma placa em cima, para facilitar: Brasil, faça gol aqui. Equador, faça gol lá. Isso evitaria muitos gols contra! Vou vender minha idéia para a Fifa. Depois perguntei porque eles estavam jogando aquilo numa quarta à noite, com tanta coisa para fazer, e me disseram que era a Copa América, o que não fez diferença nenhuma. Daí comecei o meu transe lá com os bonequinhos.

Apenas algumas coisas atrapalharam meus momentos de relaxamento. A meia do time do Equador, por exemplo, que era vermelha e não tinha nada a ver com o resto do uniforme. Isso me deixou indignada. Os cabelos de um indivíduo chamado Alex Silva também me incomodaram um pouco. Parecia, sei lá, um arranjo de flores de funeral.

Quando eu estou vendo um jogo e me perguntam o que eu estou achando - sempre fazem isso, parece teste - eu já tenho as respostas: o Brasil precisa de mais garra! Tem que avançar, jogar mais para a frente! Esse meio-campo está muito fraco! Se eu quiser mostrar muito conhecimento, digo: qualquer pelada ali no Aterro dá de mil nisso aí! Uma vez vieram me perguntar a clássica, se eu sabia o que era impedimento. Haja saco. Darwin já havia catalogado essa diferença universal entre machos e fêmeas: saber o que é impedimento. Numa boa, que diferença isso vai fazer na minha vida? Vocês sabem passar delineador? E tirar olheira com lápis branco? Ah, vaitecatar.

terça-feira, 3 de julho de 2007

uma canção, um comentário

Canção:

Atirei o pau no gato

Atirei o pau no gato-to
Mas o gato-to
Não morreu-rreu-rreu
Dona Chica-ca
Admirou-se-se
Do be-rro
Do be-rro
Que o gato deu
Miau!



Comentário:
Essa é uma das músicas mais populares da infância. Depois dizem que a TV coloca violência e pornografia na cabeça dos pequenos. Olha só que coisa horrível: O cara atirou o pau no gato. Mas ele atirou para matar, porque depois ficou puto que o gato não morreu. Ele até procurou outro pau para tacar no gato, mas não achou, vai ver ele tava em São Paulo, onde não nascem árvores. Daí o aprendiz de assassino tava lá olhando pro gato, puto da vida que o animal estava vivo, quando chegou a dona Chica. Dona Chica ouviu o berro do gato. E o que ela fez? Admirou-se. Pensa que foi socorrer o gato, chamar a Suípa? Que nada. Ficou só se admirando, admirou-se-se, intensamente. Numa boa. Quanta inércia.

Essa música tem uma questão formal muito intrigante. Por que todos os finais de frase são repetidos? Pra irritar? Falta de criatividade? E o miau, que é o mais legal, não se pode repetir. Muita sacanagem.

Minha prima me ensinou a versão politicamente correta dessa música. Não sei o que é pior. Vejam só: "Não atirei o pau no gato/ pq isso/ não se faz/ o gatinho/ é nosso amigo/não devemos maltratar os animais." Ai meu Deus! Vou bolar uma versão meio termo. Assim não dá. Quase defendo a versão sanguinolenta.

meu dicionário

lar - barraco com pouca gente.

atolar - quando chove e o lar fica preso na sua prima larva.

lareira - mulher do lar, fala muita besteira.

domingo, 1 de julho de 2007

Helga

Helga nasceu no Pará. Isso mesmo, aquele estado onde tem muito açaí. Desde pequena, gostava de se esconder em navios. Não podia ver um barquinho encostando no cais que, puf, caía dentro, com toda aquela felpudice. Tinha esse hobby, vai entender. Gostava de ver as pessoas falando em línguas diferentes, as modas de outros lugares. Mas ela nunca conseguia ficar por muito tempo passeando no navio. Ei, tem uma ovelha aqui! Tira essa ovelha daqui! Capitã-ão, acuda, faz favor! Era uma madame européia, pouco familiarizada com as ovelhas do norte do Brasil.

Um dia, Helga estava escondida no navio quando adormeceu sem querer. O capitão assobiou, o navio partiu, e nossa ovelha querida foi junto. Dali a pouco chegou o dono do aposento onde ela estava:
Ei, quem é você?
Eu sou uma ovelha, e você?
Eu sou um aprendiz de feiticeiro.
Àfi, mas isso existe? No Pará tem não.
Não, não existe, eu fui inventado.
Ah, então tudo bem, porque eu também fui inventada.
Foi, é? Por quem?
Uma garota que tem um blog de ovelhas. E você?
Por um alemão muito famoso. Não vou nem falar pra não te deixar mal. Posso te falar uma coisa assim meio chata?
Pode.
O seu pêlo tá meio fora de moda. Tá horroroso, caótico. Trevas total. Posso cortar?
Claro que não. Eu, hein, vc é aprendiz de feiticeiro ou de cabelereiro?
De feiticeiro. Mas eu queria mesmo era ser cabelereiro. É o meu grande sonho. Mas hoje em dia personagem não tem vez. O autor manda e a gente fica sem saída.
É verdade. Eu, por exemplo, adoraria ser zebra. Ai, seria tão legal, ter aqueles risquinhos, e gritar zééééé!
Hummm... tive uma idéia. Vamos fazer uma troca. Você me deixa cortar o seu pêlo, e eu viro cabeleleiro. Daí eu faço uma mágica provisória, e você vira zebra!
Ok, combinado!


O aprendiz fez sua mágica. Helga virou uma zebra. Só que, como bom aprendiz, ele errou num detalhe. Helga virou uma zebra pra lá de fofa, mas continua dizendo méééé.

Pois é, querida, não foi dessa vez. Está pensando o quê? De mim você não escapa! Ainda sou sua autora, viu? Mééééé!

sexta-feira, 29 de junho de 2007

abóboras

há um tempo atrás não acreditava que morar em casa poderia ser melhor que morar em apartamento.
as pessoas me falavam: ai, que bom, você pode jogar queimado, ter um cachorro, dar festas incessantes.
mas eu nunca quis jogar queimado, ter um cachorro, dar festas incessantes.

aí um dia nasceram umas abóboras no meu quintal.

não sei como, mas nasceram várias. as abóboras foram crescendo e se espalhando e tomando conta do quintal.
veio um biológo e disse: que abóboras fortes você tem. nascem muitas e boas.
daí eu passei a entender como é legal morar em casa.
só assim é possível ter abóboras.
olho para elas e penso que já foram a carruagem da cinderela.

quarta-feira, 27 de junho de 2007

é uma mula

era uma vez a mula com cabeça.

a mula com cabeça funcionava ao contrário: não assustava nenhuma criança, nenhum terráqueo, mas assustava todas as mulas sem cabeça e os sacis.

tudo que a mula com cabeça mais queria era perder a cabeça.

um dia ela teve uma idéia. (graças a sua cabeça):
pegou uma máquina do tempo e foi para a Revolução Francesa.
se vestiu de comunista e pediu para ser decapitada.
o decapitador não sabia muito bem quais eram as regras do jogo.
se mula comunista estava valendo ou não.
e decidiu ceder às súplicas da mula com cabeça.

desse dia em diante, a mula está toda-toda, só vendo.
vive por aí, assustando as pessoas
e é muito amiga dos sacis e das outras mulas
restou apenas uma sequela, uma ligeira coceirinha no nariz.
mas não tem problema,
ela coça com a língua.

fim

segunda-feira, 25 de junho de 2007

Placas de banheiro

Está cada vez mais difícil distinguir as placas dos banheiros masculino e feminino. Será o avanço do pansexualismo? A evolução da igualdade entre os sexos? Não, acho que é criatividade porca mesmo. Já achava aquela coisa da inicial meio complicada. Numa boa, S é o quê? Pode ser senhor, senhora, solange, sidimir, salgadinho, sapos.

E aquilo de bolsa com luva para o banheiro feminino e cartola com bengala para o masculino é, digamos, muito intrigante. Mulheres usam bolsa, ok. Mas que homem sai na rua com cartola e bengala? Só os mágicos! Só os mágicos! Lembro que uma vez, fiquei um tempão na porta do banheiro vendo se ia aparecer um mágico. Ou desaparecer. Mas isso faz tempo, eu tinha uns trinta e três anos.

Outro dia estava no planetário da Gávea e fui ao banheiro. Olhei para as plaquinhas. Céus, sou um sol ou uma lua? Sou mais o cometa Halley. Ou a galáxia de alfacentauro. Agora imagina só a agonia: o cara é transexual é quer ir ao banheiro. Não sei bem o que isso significa, para mim o prefixo trans indica mutação. Então o transexual está sempre mudando de sexo. Como é a plaquinha dele? A bengala vira baton, que virá um símbolo fálico, que cai dentro da cartola. A cartola vira, sei lá, uma coisa misturada, uma omelete. A omelete fica na plaquinha.

Pronto. No futuro, todas as plaquinhas serão omeletes.

sexta-feira, 22 de junho de 2007

Polifonia

Eu não acredito na autoria.

Ninguém é autor de nada.

A originalidade não existe.

Pensa bem: em uma única manhã, que frases que você falou são suas e que frases vc pescou de lugares quaisquer, de pessoas quaisquer, livros, filmes, de experiências outras? Impossível discernir. Saber o que é meu e o que eu reapropriei de bocas alheias. Tudo isso se mistura. Vivemos em contato com as invenções do outro e as reproduzimos, reinventamos. O discursos são perpassados, há sempre múltiplas vozes em choque.
Isso de dizer que uma invenção é minha ou de outra pessoa é um erro ontológico. Vai contra a natureza social e processual do ser humano. Dependemos da alteridade.

A autoria, concebida dessa maneira, me parece muito pretensiosa. Tal idéia é minha, eu a tive devido ao meu gênio mais do que maravilhoso, e ponto. Que falácia. Por isso mesmo, prefiro o termo organizador. Pronto. As coisas vem a mim, eu as organizo segundo uma lógica minha. Isso sim. A originalidade caminha por aí. Mas a origem das idéias não sou eu, exclusivamente eu, somos nós.


(não, não vou colocar a bibliografia.)

quarta-feira, 20 de junho de 2007

Samba Lelê

Canção: "Torturando Lelê"

Samba Lelê tá doente,
Tá com a cabeça quebrada.
Samba Lelê precisava
É de umas boas lambadas.
Samba, samba, samba, ô Lelê!
Samba, samba, samba, ô Lalá!
Samba, Samba, Samba, ó Lelê,
Pisa na barra da saia, ó Lalá.

Comentário:

Não entendo isso de dizer que a Lelê tá doente, tá com a cabeça quebrada. Numa boa. Acho que existe uma diferença estrutural entre estar doente e estar com a cabeça espatifada, sangrando, os miolos à mostra. Isso é sacanagem. Aliás, a letra toda é uma gozação com a Lelê, ou Samba Lelê, mas eu que a conheci prefiro chamar simplesmente de Lelê.

Dizem que é uma cantiga de roda. Acho isso assustador. Imagina só: várias pessoas em roda, Lelê no meio, com a cabeça quebrada. Daí alguém fala: ela precisa mesmo é de umas boas lambadas! O outro retruca: não, lambada não, é muito fácil. Vamos botar a Lelê para sambar! E todos, em coro: samba, samba, samba, Lelê! Ela sai se requebrando, sambando no salto salto alto, a cabeça quebrada e sangrando, quase não se aguenta no próprio corpo. Lelê pensa: tenho que ser forte, está quase no fim da música. É justamente aí que alguém tem a idéia: vou pisar na barra da saia da Lelê!

Lelê costurou a cabeça e passa bem. Nunca mais sambou. Agora, só boleros.


terça-feira, 19 de junho de 2007

O nariz

Estava eu lendo um texto de manhã. Faço isso sempre.
Daí reparei que entre o meu pensamento e o texto havia um nariz.
O nariz era o meu mesmo.
Tentei me concentrar no texto, porque ele era meio cabeludo.
Mas o nariz continuava lá, narigando.
Lembrei de umas técnicas de meditação russa e consegui ler três parágrafos.
Estava hiper no conteúdo.
Daí comecei a reparar num barulho estranho.
Era a minha respiração.
Eu estava respirando pelo nariz, aquele que fica entre o meu pensamento e o texto.
A minha respiração estava me atrapalhando muito.
Não conseguia ler o texto.
Daí resolvi tampar o nariz. Acabar com aquela farra. Me concentrar no texto.
Tampei o nariz por um tempão.
E comecei a morrer devagarinho.
Esse negócio de morrer estava me atrapalhando a ler o texto.
Achei melhor destampar a respiração.
E coloquei um biquíni.
Fim.

meu dicionário

sumir - o que Zilda desejou quando viu que seu filho João Roberto usava saias e penteava as sobrancelhas.

assumir - o que João Roberto fez, ao se apresentar como "La Crisalida, meus cílios te desafiam".

sumidade - o fim que teve La Crisalida. Foi vítima do fenômeno de desaparecimento que acontece na terceira idade. Ela sumiu, com a idade. Desapareceu mesmo. Não resistiu às rugas.

(Pobre Crisalida. Dava muitos autógrafos, e nunca deixava de espiar a platéia no exato instante em que se conta uma respiração antes da cortina de veludo vermelho se abrir.)

domingo, 17 de junho de 2007

boa demais

eu sou muito boa
eu sou muito muito boa
não agüento tanta bondade que há em mim

converso com os sem-teto
dou sorrisos para o analfabeto
até cumprimento os pobres
e não peço nenhum cobre

participo da campanha do casaco
cedo lugar na fila pros velhacos
engulo o bife do restaurante de um real
e finjo que não me faz mal

conto histórias para crianças ceguinhas
compro vestido das costureiras da Rocinha
envio cartões dos pintores sem mão
e digo que é o hit do verão

eu sou boa
eu sou boa demais
ó céus, quase não agüento
quanta bondade há em mim

quarta-feira, 13 de junho de 2007

eu e os bichos

Não gosto de bichos. Pronto, falei. É isso. Não sinto afeto nenhum por cachorros, não simpatizo com gatos, não faço carinho em hipopótamos, não alimento orangotangos, nunca salvei uma baleia. Ok, vou a cara das ovelhas, mas só longe de mim, no mundo simbólico e irreal. Perto não dá, deve ser fedorento, muito pêlo, pasto, não curto.

Uma vez tentaram me convencer de que amor de cachorro é amor bruto, não passa pelas complicações dos seres humanos. Peralá. Amor humano também é descomplicado. O amor, em si, me parece descomplicado. O que o torna complexo são outras arestas. Não venham me dizer que cachorros amam melhor. Só por que ele abana o rabo? Vou passar a abanar o meu apêndice.

Na verdade, nessa coisa de animal doméstico, ainda que não goste de nada, tenho um ligeiro interesse pelos gatos. Pelo olhar atento, pelos movimentos rápidos e, principalmente, pela mitologia. Gatos pretos, úúúúúúú, sai da frente.

Dia desses estava no jardim aqui de casa, tomando um solzinho, quando avistei um gato na grama. Era cinza. Putz. Tremi. Gato cinza é pior que preto. Com o preto eu ainda penso: não vou me deixar levar pelo senso comum, isso tudo é uma besteira (e fujo do mesmo jeito). Mas cinza? Cinza foi demais para mim. Não é branco, nem preto, é a afirmação da contraditoriedade. O gato me fitava. Que foi, seu pulguento? Ele mexeu a cabeça de leve. Acho que riu. Sai daqui, xô! Ele lá, paradão.

Nesse dia eu li o horóscopo.

Além da curva

Desde pequena, eu sou buscada em muitos lugares.

Ser buscada quer dizer que eu fico em pé esperando alguém passar de carro e me buscar.

Normalmente, espero depois da curva.

E fico adivinhando quem vai sair da curva.

Se o barulho é muito tec-tec, adivinho que é um fusca.

Se é um barulho de vento, adivinho que é o carro do jaspion.

Se ouço ruído aventureiro, é uma jaqueta de couro na moto.

Se faz plim-plim-plim, é um vagalume com sua besourinha.

Se soa muito grave, é uma nuvem cheia de chuva.

Se é como um suspiro, lá vem uma flor desabrochando.

Sei quase todos os barulhos que vêm da curva.

Menos um.

segunda-feira, 11 de junho de 2007

Missa ambulante

Gosto de andar de ônibus. Estranho, né? Demora, é quente, no verão rolam umas baratas, e se vc está em pé sempre pinta um espertão para ficar atrás e tirar uma casquinha. Andar de carro parece muito melhor. Mas nem sempre é.

Um dos momentos que eu mais gosto nos meus passeios de ônibus pelo Rio é quando se passa em frente a uma igreja. A galera está lá no transe, ouvindo música, pensando na vida, olhando para ver se vai entrar assaltante, de repente tudo pára e todos - tcham - se benzem. Em qualquer canto do Rio, é batata: passou em frente a uma igreja, os passageiros se benzem. O ônibus vira uma missa móvel. Não estamos mais nos locomovendo de um ponto a outro, assim, objetivamente: somos passageiros da viação Saens Pena e passageiros dessa vida comezinha, que um dia acabará. Da terra viemos, pelos ônibus passaremos, à terra retornaremos.

Quando comecei a andar de ônibus, lá nos meus 11 anos, achava aquilo tão estranho. Um momento de sentimentalismo em pleno 409. Mas confesso que não demorei muito para adotar a cruz. Não custa nada, né? Também preciso de uma mãozinha. É, ainda me enrolo um pouco. Nunca sei o leste-oeste da cruz grande. E com as mini-cruzes (perdoem a terminologia) que vem a seguir, me enrolo mais ainda. Não sei muito bem se é na testa, na boca, o que vem primeiro, só sei que é pequenininha. Faço assim mesmo. Às vezes vem uma beata me corrigir. Daí eu explico que, poxa, eu só quero pedir uma ajudinha daí da eternidade. E funciona.

domingo, 10 de junho de 2007

Aritmética das feminices

Receber um creme anti-estrias de presente - 10m de fundo de poço

Caprichar no rímel e não ser notada - 50m de fundo do poço

Comprar um perfume francês e descobrir que é uma catinga paraguaia - 500m de fundo do poço

Escrever uma poesia apaixonada e o namorado dizer que ficou bom, parece até Jorge Vercilo - 100.000.000m de fundo do poço

sábado, 9 de junho de 2007

Piloto de caça

Ano passado fiz um curso para piloto de aviões de caça. Nunca tinha pensado nisso, mas tive que fazer. O mercado anda muito ruim, a gente tem que se virar. No início implicaram comigo, talvez porque sou baixinho, meio atarracado. Mas e daí, que se dane, o mercado tá ruim, a gente tem que se virar. Logo no primeiro mês de aula, percebi que o professor não ia com a minha face. Implicava comigo o tempo todo. Você aí, garotão, vai ter coragem de correr atrás do inimigo? Isso aqui não é concurso de pirueta na praia, não, moleque. Olha que ainda dá tempo de sair. Engoli em seco. Mas o mercado tá ruim, a gente tem que se virar. As mulheres da escola me infernizavam. Falavam que eu nunca ia ser piloto. Que não tinha porte. Aturei na maior. O mercado tá ruim, tenho que me virar. Quando o Tom Cruise entrou no curso, pensei, pô, lascou, o cara é foda, pegou a Nicole, agora vai ser dose. Que nada. Tom Cruise me adotou. Me ensinou muitas coisas sobre técnica de vôo. Me ensinou também uns truques de massagens. E, principalmente, me deu lições sobre como se virar no mercado. Hoje eu abri uma religião e tô bem na fita. Caçocificismo. Nunca mais passei perrengue. O mercado é isso aí, a gente tem que se virar.

penduricalhos

Braços são uma parte do corpo. Braços ficam pendurados nos ombros.

Às vezes meus braços são muito úteis: quando abraço alguém, quando quero tomar um chá ou quando vou me pentear.

Mas há momentos em que eu simplesmente queria não ter braços, ficar só no ombro mesmo, com as mãos presinhas.

Quando fico sem-graça, simplesmente não sei onde enfiar os braços. Daí coloco as mãos nos bolsos. Se estou sem bolsos, cruzo os braços. Mas aí fico parecendo mano. Já tentei cruzar os braços em cima da cabeça, mas algumas pessoas não compreenderam o meu gesto.

Algumas vezes eu vou dormir e simplesmente não encontro posição confortável para os meus braços. Queria ter um dispositivo e tirá-los naquele instante, ploft, que nem um robocop. Só recolocar depois, na hora do chá.

Uma vez fui ao teatro e o porteiro me impediu de entrar. Minha filha, em teatro e igreja não se entra de braços cruzados.

Descruzei na hora. Faz muito sentido.

terça-feira, 5 de junho de 2007

A maldade que há em mim

Vira e mexe eu tenho uns sentimentos maldosos. Vontade de explodir a cabeça de alguém, por exemplo, é quase todo dia. Podia explodir com um martelo, mas dá muito trabalho, preferiria uma granada mesmo. Vontade de explodir uma sala cheia de gente é toda semana. Ir lá e puft! soltar uma bomba, estilhaçar tudo. Vontade de cortar o dedo mindinho de alguém já é mais raro.

Vontade de cortar os cabelos das pessoas quando elas estão dormindo, isso eu tinha muito na adolescência, mas passou. Também tinha muita vontade de berrar no ouvido de alguém até explodir os tímpanos, mas isso foi ficando pra trás. Acho que me sofistiquei.

Uma coisa que já tentei, mas nunca consegui, foi bolar um jeito de fazer a pessoa morder a própria língua. Não é no sentido figurado, não, é literal: dar aquela bruta dentada no músculo. Como se fosse morder um podrão. Daquelas mordidas na língua que a gente fica lembrando o dia todo, de tanta dor. Então, adoraria fazer isso com certas pessoas, mas não tenho a técnica. Não dá para obrigar. Morder a língua é uma coisa que se faz sozinho. Que droga.

as minhas janelas

Em meu quarto há duas janelas:

Uma é de madeira e tem o tamanho de uma porta.

A outra é de LCD e tem dezessete polegadas.

Por uma eu vejo miquinhos, flores, arbustos e a enseada de Botafogo.

Pela outra eu vejo simulação, falácias, hipertextos e pop-ups.

Hoje acordei e não sabia que janela olhar.

Misturei uma janela na outra e vi
simulação nos arbustos
miquinhos nos pop-ups
hipertexto nas flores
e falácias na enseada de Botafogo

Assim fica bem mais bacana.

segunda-feira, 4 de junho de 2007

meu dicionário

Fada - ser sobrenatural bonzinho pra dedéu. Possui vara de condão.

Arfada - manifestação de cansaço das fadas. Normalmente ocorre quando elas jogam futebol.

Golfada - manifestação comemorativa das fadas, quando marcam um gol no campeonato. Elas regurgitam pó de pirlim-pim-pim. Inpiração na sininho.

Enfadonho - como as fadas chamam o Programa de Educação Fadística. Não ensina nada e ainda chateia. As fadas de hoje em dia querem aprender na vida.

sábado, 2 de junho de 2007

Remédio

Ontem eu acordei com esquizofrenia.

Meu pai me disse que esquizofrenia é uma doença que dá na cabeça.

Como não sabia muito bem o que fazer, achei que devia passar um xampu para caspa, porque caspa também dá na cabeça.

O xampu ardeu meu olho, mas funcionou. Tô quase curada da esquizofrenia.

Mas não da caspa.

A caspa foi crescendo, crescendo, entrou em todos os meus neurônios, tomou conta de mim.

Daí agora eu adquiri uma personalidade caspa: pegajosa, nojenta, multiplicadora.

Tenho que conviver comigo mesma, com a caspa e com a ponta de esquizofrenia que não sarou.

Claraspa.

terça-feira, 29 de maio de 2007

Ivete

Meu Deus, a mulher não pára de pular.

Ivete tem pernão e não pára de saltitar e cantar e animar a massa.

Ivete tem decotão e cabelos longos e remexe os quadris e os braços.

Ivete pula e empolga a galera.

Alegria, alegria.

Na verdade, Ivete chega no camarim, depois do show, se joga no sofá e começa a chorar. Sim, ela conhece a melancolia. A depressão é sua parceira. Depois de um show, a única coisa que resta é entregar-se ao choro e deixar a tristeza falar. Baiana arretada.

segunda-feira, 28 de maio de 2007

meu dicionário

e daí? - atitude blasé muito necessária

e daí? - resposta do assaltante ao policial, que o indaga sobre o motivo do crime

e daí? - expressão usada pela criança curiosa, que quer saber o fim da história

e daí? - minha resposta ao açougueiro, que queria saber porque minhas bochechas ficaram subitamente gordas

sábado, 26 de maio de 2007

Só hoje

Hoje eu queria ter lábios muito grossos e desafiar uma platéia com minha voz rouca. Queria ter cabelos longos e cacheados e fazer um nózinho insolente na ponta. Queria que meu rímel borrasse na lateral para tornar o erro um charme. Queria estar com um vestido roxo e completar com sapatos de veludo. Queria ter bundão e peitinho e descontrair-me com esses paradoxos. Queria delicadamente fazer piadas de humor negro e rir entortando a boca.

Hoje eu queria ter a vocação de um palhaço anão. A coragem de um suicida. A liberdade de um mendigo. Queria estar em 1900 e 2008 ao mesmo tempo.

sexta-feira, 25 de maio de 2007

Clara responde

Deu hoje, na rádio evangélica, programa de perguntas e respostas:

Sr. Cláudio de Silva e Souza:
Pastor, preciso muito da sua ajuda. Sempre fui muito ciumento, mas ultimamente o mundo está me provocando. A minha mulher, pastor. Ela tem uns amigos que ligam perguntando sempre, como vai a vida. A minha mãe, pastor. Dá mais atenção para o meu filho do que para mim. O meu cachorro, pastor. Outro dia roeu um osso dado pelo vizinho e desprezou o meu. O síndico, pastor. Cuida mais dos jardins do bloco 2 do que do meu. E Deus, pastor! Ele sempre me deu mas bola que aos outros, mas agora tudo mudou, pastor! Acho que Deus devia ser mais atento a mim! O que devo fazer?

Pastor Osvaldo:
Cordeiro de Deus, tenho dois pontos para discutir com você. Primeiro, achei esse seu ciúme do síndico um pouco estranho. Você deve procurar o nosso serviço de retificação sexual. Segundo, essa sua possessão em relação a Deus foi um pouco abusiva. Está pensando o quê? Deus pertence a todos, mas é um pouco mais dos pastores. Não me venha com essa. Ele é mais meu do que seu. Ora pombas.

Minha resposta:
Amigo, seu caso é cabeludo pra dedéu. Melhor você comprar uma escopeta.

tormenta da semana

Duas preocupações me acompanharam essa semana: primeiro, o artigo que escrevi para um congresso. Segundo, a avó que vou ser.

Quanto ao artigo, me sinto muito mal. Quanto à avó que vou ser, me sinto pior ainda.

Eu não sei fazer quitutes de avó. Não uso óculos redondos. Não prendo os cabelos com grampos. Não tenho vocação para ser gordinha com buzanfinha. Claro que a avó que estou imaginando é a Dona Benta e ela quase não existe mais. Mas, puxa, será que vou ser uma avó de mega-hair, que usa tonificantes para a pele não perder a tez macia, que faz jogging e que reclama de falta de tempo? Quero que os meus netos entrem na minha casa sem saber que a dimensão tempo existe. Que procurem os potes de doce e que me peçam chiclete - vou ter que me controlar pra não dizer que dá cárie.

Tudo bem, vá lá, algumas coisas de avó eu sei fazer. Cato piolhos muito bem , estouro lêndeas como ninguém, e conto histórias boas. Muitas boas histórias. Bons artigos? Ainda não. Será que vou querer contar pros meus netos os artigos que escrevi? Por Júpiter.

Cruzes. Que loucura essa vida. Ainda bem que falta tempo. Até lá, aprendo a ser avó muito bem. E, quem sabe, a escrever artigos.

quarta-feira, 23 de maio de 2007

Aritmética da curvatura

10 dedos na mão
+
2 PFs na barriga
=
plantei bananeira, mas ficou assim meio tortinha

terça-feira, 22 de maio de 2007

futilidades

Todo dia eu venho aqui e tico-tico meus dedinhos no teclado.

Meus dedinhos tico-ticam futilidades

E eu proclamo o óbvio.


O pior é que continuo gostando de tico-ticar.

A pedra no caminho

Hoje eu estava andando na rua, não vi uma pedra, tropecei e levei um tombo.


Se eu tivesse visto a pedra,
não estaria com uma puta dor no cotovelo esquerdo.

Se eu tivesse visto a pedra,
não estaria com o braço fumegante.

Se eu tivesse visto a pedra,
não teria devolvido o sorriso para o menino que caçoou de mim.

Se eu tivesse visto a pedra,
não teria visto a cara de ai meu deus do camelô de incensos afrodisíacos.

Se eu tivesse visto a pedra,
não teria sido ajudada por uma senhorinha de guarda-chuva lilás.

Se eu tivesse visto a pedra,
meu dia não seria uma dia,
só um monte de horas passadas.

segunda-feira, 21 de maio de 2007

sumidouro

Desde que eu me entendo por gente, perco tudo. Perco sapato, perco brinco, perco diploma de segundo grau, perco remédio, perco a paciência. De uns tempos pra cá, andei reparando que não sou eu quem perde tudo: aqui em casa tudo some. Coloco um sanduíche na tostadeira e ele some. Faço o fichamento de um livro e ele some. Separo uma blusa para vestir e ela some. O pote de linhaça some. A pen drive some. As abóboras do jardim somem. E até meu caderninho de invenções, que não serve para ninguém, acabou de sumir.

Tudo dos meus irmãos some também. Minha irmã, então, nem se fala. Outro dia sumiu o edredon dela. Ela comprou um edredon gigantesco, de casal, para ficar bem afofada ali dentro. E não é que o treco sumiu? Ela acordou e não achou mais. A gente já tentou ter um cachorro, mas não deu, em dois dias o pastor alemão tinha sumido. Tudo some tanto que a gente descolou uma simpatia pra achar as coisas. É o São Longuinho. Basta pegar a imagem do santo e falar: São Longuinho, São Longuinho, se eu encontrar o que estou procurando, dou três pulinhos. Funcionou muito bem, até a imagem do santo sumir.

Achei que esse tinha sido o auge, mas não. Meus irmãos deram um churrasco e sumiu um convidado. A mãe do menino veio aqui reclamar, botou o nome do moleque na lista da polícia de pessoas desaparecidas, e nada.

Dia desses estava na rua e encontrei com uma amiga que não via há muito tempo. Ela: "Mas você está sumida, hein?". Fiquei com medo. Será que serei eu mesma a próxima vítima?

crise do suporte

Há a crise da idade da loba, a crise da economia global e a crise do suporte.

Por crise do suporte, ou revolução do suporte, entende-se que a obra de arte está ganhando novos espaços que não os originalmente concebidos. (Perdão pela definição curta e simplória). Se antes os caras só pintavam em telas, agora pintam em muros: muda-se o suporte, fica a obra de arte. Com outros significados, outras relações, claro. Se antes os caras escreviam com penas em papel, agora escrevem em blogs.

Os defensores dos novos suportes dizem que não há diferença qualitativa entre a produção literatura online e o livro, objeto físico.

Mas eu acho que tem, sim.
"Livro não enguiça", já disse o meu ídolo Millôr.

(!!!)

sábado, 19 de maio de 2007

uma canção, um comentário

Canção

A canoa virou

A canoa virou
Por deixá-la virar
Foi por causa da Sandra
Que não soube remar
Se eu fosse um peixinho
E soubesse nadar
Tirava a Sandra
Do fundo do mar



Comentário:

Gosto dessa música. Tenho boas lembranças dela. É engraçado esse lance da culpabilidade. Juntando com a música do "Crime hediondo na casa do João", acho que rola uma certa vontade de botar a culpa em alguém. Como se a gente estivesse sempre buscando um culpado: quem roubou pão na casa do João, quem não soube remar direito e deixou a canoa virar.

E se a culpa fosse do marceneiro que não fez a canoa direito? A culpa pode ser até do cara que vendeu a madeira pro marceneiro. Ele poderia ser um charlatão e garantiu a qualidade do material picaretamente. Não entendo isso de dizer que foi por causa da Sandra, que não soube remar. Não é todo mundo que pode fazer aula de remo na Lagoa Rodrigo de Freitas.

A parte que eu mais gosto dessa canção é "se eu fosse um peixinho". A Sandra se lascou, não remou direito e foi parar no fundo do mar, estava lá na maior agonia, e o cara pensando que se fosse um peixinho salvava a moça. Não é bonito? Desejar as guelras, as escamas. "Quem dera ser um peixe", já dizia Fagner. É isso. Fazer borbulhas de amor pra te encantar.

Jurujuba

Existe uma praia em Niterói que se chama Jurujuba.

Jurujuba: jujuba que ficou jururu.

Acho muito compreensivo uma jujuba ficar jururu. Ela é toda bonitinha, colorida, divertida, o formato exato para colocar entre o polegar e o indicador. Mas note a crueldade: ela já nasce pronta para morrer. Tudo bem, tudo bem, esse também é o nosso fim, é o destino tanto das jujubas quanto dos que escrevem blog. Mas com a jujuba é pior, ela morre deglutida por crianças cruéis. Massacrada por dentes de leite. Os restos mortais pendurados naquele dente definitivo recém- saltado.

Se eu fosse um jujuba, também ficaria muito jururu. Jurujuba.

sexta-feira, 18 de maio de 2007

uma canção, um comentário

Canção:

"Crime hediondo na casa do João"
(título criado por mim)

Fulano roubou pão na casa do João
Quem eu?
Tu sim.
Eu não!
Então quem foi?
Foi sicrano.


Comentário:

Ó céus, que motivo estranho, que força maligna fazia com que a gente cantasse isso incessantemente nas viagens de ônibus? Essa é uma das músicas mais xôxas da história ocidental. (Da oriental, não tenho conhecimento suficiente para dizer. Nunca vi um japonês cantando isso).

Algum pós-moderno diria que a estrutura de perguntas e respostas intergrupal serve para promover a integração dos seres humanos, que modernamente estão altamente individualizados e auto-referidos em sua própria esfera sensorial. Po, mas tudo isso respondendo quem eu? tu sim?

Olha, mas o pior é que, até hoje, ninguém assumiu a culpa por ter roubado o pão na casa do João. Eu fui pessoalmente na casa do João dia desses. O cara é gente boa e eu gosto dele. Movida por um saudosismo, fui na cozinha conferir se o pão tinha sido roubado mesmo. Sempre suspeitei que ele podia estar blefando, posando de vítima de assalto só para ser eternamente lembrado por todas as crianças. Preparem-se para a verdade: de fato, não havia pão na casa do João. Alguém roubou. Ele está passando fome. Quem cometeu esse crime? Eu não. Então quem foi?

falta de inspiração - II

Falta de inspiração é um problema

As palavras começam a sumir

Daí resulta um versinho

Que nem esse aqui

terça-feira, 15 de maio de 2007

O jabuti que não tive

Eu nunca ganhei um jabuti.
Meu jabuti seria branco,
com as patas vermelhas.
Quer dizer, as patas pintadas de vermelho.
As asas muito peludas,
o focinho bem esperto,
a nadadeira machucada de tanto esvoaçar.

Eu nunca ganhei um jabuti,
só porquinho da índia.

coisas que não entendo

Por que alguém teve a idéia de criar a bomba atômica?

Por que alguém teve a idéia de criar a câmara de gás?

Por que alguém teve a idéia de colocar o Bochecha do Claudinho para fingir de atendente numa loja de sucos?

segunda-feira, 14 de maio de 2007

o menino

Era uma vez o menino que carregava água na peneira.

Ele gostava de cantar com as árvores e subir nos pássaros.

Ele gostava de bater papo com as pedras.

Ele fazia destravessuras.

E gostava das minhas ternurinhas.

Progressão aritmética

esquecer o aniversário de alguém - 100g de culpa

copiar a idéia do amiguinho - 500 kg de culpa

desejar a morte de uma pessoa e ela morrer - 1 tonelada de culpa

xingar uma pessoa de maldita e ela te oferecer um bombom de avelã- 20.000 ton de culpa

domingo, 13 de maio de 2007

o papa é pop

contra o aborto
contra a camisinha
contra o sexo por prazer
contra o homossexualismo
contra o rock


po, Papa, assim fica difícil ser católico!

meu dicionário

Frio - o que tentamos sentir em julho no Rio.

Frívolo - tio mais velho do frio.

Frivolidade - pessoa de terceira idade dançando frevo.

sábado, 12 de maio de 2007

Surpresa

Uma das coisas que mais me diverte atualmente é ser surpreendida. Não isso de levar um susto, alguém colocar uma barata na minha bolsa, etc. Me refiro à deliciosa sensação de ter uma certeza concreta, um pensamento entabulado há séculos, daí vai lá alguém e, ploft!, explode aquilo tudo, mostra mil outras direções. Que coisa boa. Nem sempre é possível perceber essas sutilezas, pois andamos tão armados... o que se ouve o tempo todo é: mostre a que veio! não se deixe influenciar! Tenha personalidade! Por Júpiter. Nesse sentido, ter personalidade é a imbecilidade maior do mundo. Prefiro andar desarmada.

Hoje fui a um encontro de pessoas que querem fazer alguma coisa pelas crianças brasileiras. Entre outras pessoas muito legais, estava lá o Siro Darlan. Sempre achei que ele era um juiz bobão que impedia as crianças de participar do desfile de escolas de samba. Enfiava aqueles cracházinhos nos pequenos, fazia inspeção na entrada, acabava com a ala mirim. Que nada, o cara é genial. Impressionante a visão de infância dele. Explodiu as minhas limitadas fronteiras, me deu uma luz danada. Ai, que coisa boa.

Futuro do pretérito

Não gosto de cachorros.
Mas um poodle eu teria.

Não vou com a cara do Recreio.
Mas numa casa com jardim de orquídeas eu moraria.

Não como jiló.
Mas disfarçado na sopa eu adoraria.

Não sou lésbica.
Mas a Cindy Crawford eu pegaria.

sexta-feira, 11 de maio de 2007

A língua que me prende

Estou presa. Estou presa pela língua portuguesa. Choro em português, chovo em português, grito em português, abomino em português, escrevo em português. Sou o que sou porque essa é a minha língua mãe. Mátria, pátria, frátria. Ela é o signo absoluto em que as coisas se materializam em meu cérebro. Se penso através dela, estou moldada a ela.
Isabel Allende mora hoje nos EUA e é casada com um americano. Ela disse certa feita que não conseguiria jamais falar coisas bonitas para ele em outra língua que não o espanhol. Quer prova maior da prisão ideológica da língua? Também seria impossível para mim dizer I love you. Nem mesmo o tão caliente te quiero.
Estudar outra língua realmente faz nascer outra alma. Aprende-se outro processo de pensamento, é quase como atuar.
Deve-se reaprender o português. Saber gramática ao ponto, para errá-la al dente, já dizia o poeta.

Clara responde

Hoje, na rádio evangélica, programa de perguntas e respostas.

Ouvinte Glória Dias:
Pastor, sou mãe de uma menina de 14 anos. Não quero ser uma mãe ultrapassada, deixo ela usar mini-saia e tal, mas certas coisas me deixam de cabelo em pé. Imagina que minha filha inventou de ficar. Beija um, beija outro, rebeija o um, já pensando no terceiro que está chegando. Ó céus! Outro dia minha filha me disse que estava ficando com o Robertinho. Pensei: ai, que bom, Robertinho é rapaz direito, trabalhador, frequenta a Igreja. Mas não é que no mesmo dia vi o garoto na porta da Igreja beijando outra menina? Antes da reza até perguntei: Roberto, você não está com minha filha? E ele: Não, tia, tô só ficando. Me diga pastor, me diga: ficar é uma forma de se prostituir?


Resposta do Pastor Osvaldo:
Cordeira de Deus, ficar não é uma forma de se prostituir. Você tem que ser mais tolerante com essa juventude. Eles estão experimentando, testando os limites dos adultos. Converse mais com sua filha, mas tenha certeza de que ela não é uma alma condenada. Interprete o ficar como uma busca pelo verdadeiro e justo amor divino. Só não deixe que ela busque demais, senão ganha fama na vizinhança. A propósito, sua voz é muito bonita. Que paróquia mesmo você frequenta?


Minha resposta:
Ficar é se prostituir, veja bem: outro dia vi umas notícias e fiquei muito nervosa. Uma pessoa também pode se prostituir muito nervosa. Fiquei pensando no que será das crianças de rua. Uma pessoa também pode se prostituir pensando no que será das crianças de rua. Depois fiquei com fome. Já soube de pessoas que se prostituíram com fome. Ficar e prostituir-se, amiga, são termos correlatos. Tome cuidado.

quarta-feira, 9 de maio de 2007

Clara responde

Deu hoje, na rádio evangélica, programa de perguntas e respostas.


Pergunta da ouvinte Adriana Queiroz:
Pastor, eu não sei o que está acontecendo. Não quero chamar a atenção, quero ser pura e casta. Para isso eu me visto com roupas discretas, não corto o cabelo há séculos, não uso maquiagem nem de leve. Só saias longas, blusas largas sapatos rasteiros. Os meus perfumes, eu joguei na privada e dei descarga. Mas não adianta! Os homens me olham mesmo assim, pastor! Me cobiçam, me cobiçam! Eu ando na rua e sinto aqueles olhares me desejando. Já não sei mais o que fazer. Me ajude, por favor!


Resposta do Pastor Osvaldo:
Cordeira de Deus, a realidade não existe. Tudo depende de como vc olha. Se você quer comprar um carro novo, começa a ver um monte de carros na rua. Se você está grávida, começa a ver uma porção de grávidas. Se você está querendo se sentir desejada, claro que desperta a cobiça dos homens. O problema está em sua alma. Livre-se da danação e você verá como seu problema vai melhorar.


Minha resposta:
Amiga, vc já tentou pintar um bigode? Garanto que resolve.

terça-feira, 8 de maio de 2007

meus personagens

Eles moram em minha casa:

Natasha Icebergueira, pinguim de geladeira

Salim, anão de jardim

Elisabeth, o pote de guardar chiclete

segunda-feira, 7 de maio de 2007

Progressão aritmética

Romário errou o gol mil: 200g de decepção

Lula não fez a revolução: 500g de decepção

Deborah Secco é siliconada: 20 kg de decepção



A priminha que vc espiava trocando de roupa virou uma barangona: 2 toneladas de decepção

Progressão aritmética

Ver um gato preto na frente do cemitério: 100g macabro

Brincar de "compasso responde" em noite de lua cheia: 500g macabro

Comer uma coxa de galinha e imaginá-la inteira e viva: 20kg macabro

Sonhar com a Luciana Gimenez: 2 toneladas macabro