terça-feira, 31 de julho de 2007

20 e 50

Esse excesso de liberdade me sufoca. Tantos caminhos, tantas possibilidades. Escolhi duas em um milhão. Meu coração mandou. Agora tenho que ser boa, suo, tenho que fazer bem, suo.

Diariamente acontece uma briga: eu comigo mesma aos cinquenta. Às vezes aos trinta, às vezes aos setenta. Se um dia eu coincidir no tempo comigo mesma, me anulo. Bem ou mal, a fila de ilusões me alimenta. Os sonhos que são meus ou que são sonhados para mim.

Espero que nunca entre na Voluntários da Pátria e me pergunte: céus, onde é que estava sendo que já não fui?

segunda-feira, 30 de julho de 2007

Rani, o siri

Essa é a história do siri que se apaixonou por uma elefanta.

Como muitos siris, Rani estava na praia, cumprindo com seu ofício de sirizar. Rani sirizava seriamente, prum lado e pro outro, os olhinhos pra lá e pra cá. Se dava bem como todo mundo, tanto com os bem-te-vis quanto com os girinos. Era o rei da areia! Dizem até que Pequena, a sereia, tinha uma certa quedinha por Rani.

Eis que um dia, pou, pou, a terra tremia como jamais tremeu. Rani arregalou os olhinhos: são elefantes! E todos se esconderam onde puderam. Menos ele. Siri que é siri só se esconde se estiver sirizando, não por medo de uns elefantinhos. O chão trepidava cada vez mais, e Rani começou a pensar em se esconder.

Até que viu Samanta, a elefanta.

O coração de Rani bateu forte. Era a primeira vez que via tão elegante criatura. Quanta classe, quanta ternura! Aprumou-se todo quando viu que Samanta aproximava-se.
O cemitério de elefantes é aqui?, perguntou a elefanta.
Depois do precipício, a segunda à esquerda, respondeu Rani, muito cortês.
Depois do prepício? Eu tenho medo!
Não tem problema, eu te acompanho.

Daí eles foram conversando por todo o caminho, até chegar no cemitério. Quando se despediram, Rani não se conteve, e declarou todo seu amor. Samanta, minha elefanta, você em nada me espanta! Você em meu coração manda! E não é que Samanta respondeu? Rani, meu siri, não quero mais sair daqui! Sem você não posso ir! E os dois beijaram-se longamente.

(Como foi o beijo? Eu vi, mas não posso contar. Assim vocês imaginam e o beijo fica ainda mais bonito! Beijo de elefanta com siri.)

quinta-feira, 26 de julho de 2007

despedida em diálogo

tudo bem, eu saio daqui, mas só com a poltrona da sala, meus discos dos rolling stones, a coleção de chapinhas, como assim não vai deixar?, o nebulizador, o sombrero, o monitor novo, advogado pra quê?, metade da poupança, dona firmina três dias na semana, os cupons de desconto na farmácia, quer que eu chame uma ambulância?

declarações de amor

Meu amor, você
sussurrando ao meu ouvido
é tão misteriosa
como um rádio tentando pegar

terça-feira, 24 de julho de 2007

Revolução dos cravos

Muitas casas têm manias. Aqui rola uma mania de cravo. Isso mesmo, cravo, aquele que brigou com a rosa. Qualquer prato tem que ser feito com cravo: bolo, arroz, carne, língua, moela de gato, cérebro de avestruz, qualquer coisa.
Dia desses vi um cravo na parede. Estava preso entre a parede e a moldura da porta. Meu Deus, será que os cravos saíram daquela panela de feijão e foram parar na parede? Comecei a achar que eles ficaram revoltados com o uso culinário e resolveram fugir para o jardim. Bem provável. Cravo é meio experimentado nessa coisa de revolução. Mas não era isso não, aquele cravo estava ali de propósito. Para espantar formigas. Isso me contou minha tia-avó, que estava passando uns dias aqui. Ela disse ter conhecimentos amplos em ferormônios. E que cravo não se dá com formiga.

Aliás, cravo não se dá com ninguém, né? Nem com rosa, nem com formiga, nem com ninguém. O único mistério indissolúvel, é o motivo que levou o cravo e a rosa a brigar debaixo de uma sacada. Alguém explica? Tanto lugar pra brigar! Vai que a sacada cai? Aconteceu outro dia em Copacabana.

(Resolverei esse mistério daqui a dois dias, na seção "uma canção e um comentário".)

Seu Manduca

O nome era Seu Manduca. E as pernas já quase não se aguentavam em pé. Magrinho, grisalho, gostava de sentar aos pés da amendoeira e pensar em nada. Quer dizer, a nós parecia que não pensava em nada. Quem sabe em seu passado, não sei, havia sido técnico de aquecedor. Mas ele bem sabia que pensava em tudo.

Seu Manduca brincava com as crianças que passavam perto da amendoeira. Mãe, olha lá o monstro! Ele fingia que não escutava. Ê mundo desregulado. Pior que fusível queimado. Seu Manduca passava horas na amendoeira, olhando o caminho das formigas, até ajudava a fazer a casa de formigas. Não se sabe como, com aquele tamanho todo, ele conseguia ajudar as formigas. Mas ele nem aí. Gostava das insignificâncias.

Certo dia, Seu Manduca achou uns fósforos no chão. Os fósforos estavam queimados, usados, alguns até pisados. Se abaixou, as pernas trôpegas, e colocou os fósforos no bolso. A mulher retrucou: fósforos queimados, Manduca? E o que você vai fazer com isso? Seu Manduca nem aí. Gostava das insignificâncias. A partir disso, a gente quase não via seu Manduca na amendoeira. Mãe, cadê o monstro? Seu Manduca virou um andarilho, vagando pelas ruas a procura de fósforos. Os fumantes faziam galhofa. Ih, lá vem o Manduca, confiscador de pulmões! Acendiam o fósforo, depois o cigarro e davam uma baforada bem na orelha dele. Seu Manduca dava umas tossidinhas e ia embora. O pescoço, que andava meio emperrado, agora conseguia mover-se para baixo, e Manduca seguia procurando fósforos quarteirão acima.

Alguns falavam, o velho está maluco! Endoideceu de vez. E a vizinha do primeiro andar disse que mania de fósforo é coisa de técnico de aquecedor aposentado. Afinal, com o chuveiro elétrico isso quase não existe mais. Mas Manduca tinha, sim, algo secreto, que só ele, com aquela cabecinha de Manduca, aquelas pernas de Manduca, e aquele jeito de reparar no nada poderiam fazer.

(continua...)

segunda-feira, 23 de julho de 2007

escova progressiva

Pentear o cabelo é uma inutilidade, pensou Hanna, à beira da piscina. Cabelos descabelados são bem mais expressivos. Falam da alma.

Hanna virou-se e sentiu a brisa embaralhar seus fios. Levantou da cadeira rapidamente, apenas para limpar os óculos, e teve uma surpresa: Diogo estava conversando com Monique. O assunto? Escova. Ele a deitar elogios às madeixas progressivas da outra. Hanna não se conformou. Então ele não via a autenticidade, a liberdade das despenteadas?

Como quem não quer nada, Hanna jogou mais cloro na água, escondeu o creme de Monique em sua bolsa, e chamou-a para um mergulho. Vem, amiga, a água está tão gostosa! Nada lhe parecia tão retrógrado quanto uma escova. Progressiva.

quinta-feira, 19 de julho de 2007

Ginástica artística

Tudo bem, eu não ia conseguir ser ginasta mesmo. Não com esse busto todo. Desequilibra.

quarta-feira, 18 de julho de 2007

Mélosofia

Mês passado aconteceu o mega encontro multinacional intercultural nipo-judaico de ovelhas que dizem méééé. Foi um arraso! As ovelhas se uniram e tornaram público o manifesto da mélosofia. Confesso que já adotei.

1. Acorde e diga mé para o mundo.
2. Abandone o ohm, médite em mé.
3. Quando estiver no chuveiro, cante dó-ré-mé.
4. Não fique médindo carinho, nem cafumé.
5. Méta a boca no trombone.
6. Não tenha médo de ser méloso.
7. Assuma o gosto méin-stream.
8. Use méias fenoménais.
9. Encontre sua métade no méio da rua.
10. Invente sua própria mélosofia.

Alguém acompanha?

terça-feira, 17 de julho de 2007

pente

pente - objeto que, apesar de mostrar as garras a todo instante, é bondoso que só. usado para dar forma aos cabelos das donzelas. E também dos moços, a partir da máquina 1.

de repente - quando o pente se derrete. o pente tem coração mole, é só ver um cabelo bonito que ele começa a se derreter todo. assim, do nada, o pente de repente.

pentelho - tipo especial de pente. próprio para pessoas assim mais exóticas que penteiam o lho. Isso mesmo. fazem questão que os lhos estejam sempre em ordem. Daí têm que usar o pentelho. Cada um com os seus lhos.

segunda-feira, 16 de julho de 2007

?

Os bem-resolvidos que me desculpem, mas crise é fundamental.

Ginástica artística

Tenho muitas manias.

As mais recentes são maquiagem e Pan. Não, calma, eu não fico passando baton e base para assistir às provas de atletismo na TV. Assisto sem maquiagem mesmo.

Tenho um especial apego pela ginástica artística. É muito instigante. Só vejo um problema: sei onde está a ginástica, mas não sei onde está a artística. Numa boa. Que estranho ideal de perfeição é esse jogado na Daiane, na Jade Barbosa, na Daniele Hypólito? Seria isso alguma coisa próxima da arte? Só se for a arte renascentista. Daí a prova tinha que se chamar barras assimétricas renascentistas, salto no cavalo com alças renascentistas.

Depois de executar a prova, saltos para lá, saltos para cá, vrum, vrum, elas dão aquele pinote - tão bonitinho, estou tentando fazer igual - e vão esperar a nota. Esperar a nota. Esperar a nota. Os segundos mais angustiantes da vida: algum perito em ginástica pseudo-artística vai avaliar se tudo o que você fez o ano todo valeu a pena. 365 dias em um segundo.

Por isso eu acabei de fundar o festival do pulo livre. Venham, Daiane, Jade, Daniele: aqui vocês podem pular num pé só, podem se estrebuchar na barra, podem plantar bananeira de cabeça pra cima, aqui não tem regra, não tem sim ou não. O corpo, queridas, é só um volume que desenha o espaço.

domingo, 15 de julho de 2007

que nada

hoje eu não tenho nada para dizer.

então não vou ficar entubando textos no blog.

quer dizer, tenho algo a dizer sim:

rímel incolor não faz efeito.

sexta-feira, 13 de julho de 2007

o astrólogo

tremia. era a primeira vez que estava ali. a bola de cristal a intimidava. tinha medo do futuro profissional, tinha medo do astrólogo.

vejo um certo brilhantismo no trabalho, que beleza, mas peraí, humm, essa conjuntura astral aqui, humm, melhor jogar búzios para ter certeza, agora sim, é isso mesmo, está bem claro, muito trabalho e nada no amor. querida, você nunca vai casar.

pensou se ia pagar pela consulta. decidiu que sim. mas ele também pagaria, astrólogo de bosta. você sabe o meu destino? eu também seu o seu. apertou o canivete no bolso, presente do falecido avô, e ficou à espreita na saída do prédio.

terça-feira, 10 de julho de 2007

o espelho de maria

o espelho de maria não refletia nem brilhava. o espelho de maria era de ver através.

ver através? ai que você está é ficando lelé.

o espelho de maria via o alarme que mora no peito,
via a vergonha que se esconde no intestino,
via o sorriso do dedo mindinho.

mas maria, como faz para ver isso tudo?
tem ciência não, joão, é que eu vejo com as palavras.

três frases para um melodrama

engatilhou, empunhou o revólver, todo mundo abaixado!, havia coragem no peito.
sentiu que alguém lhe escapava, quem está atrás do caixa?, ou sai ou morre anda logo.
reconheceu os fios de cabelo que apareciam detrás do balcão: era seu pai de criação.


(nova categoria: três frases para um melodrama)

segunda-feira, 9 de julho de 2007

a volta

chegar em casa, tirar os sapatos, jogar a bolsa, você já chegou?, abrir as janelas, agitar o cabelo, ligar um som, chet baker tá bom?, abrir a torneira, esfoliar a pele, colocar o roupão, vamos jantar?, esquentar as almôndegas, procurar os guardanapos, cravar o olho no retrato, você não vai voltar?

gordos e quinquilheiros

Muito se fala sobre a alma de gordo. Fulano tem alma de gordo! Se bem entendi, alma de gordo é, na verdade, um gordo auto-censurado. Que vive fazendo contas e tem uma tabela de calorias em eterno funcionamento. O sujeito desejaria ser um glutão, viver à mesa, engolindo chopp, frango à passarinho, bolos, pastéis, babar-se de fritura, de molhos, de bebidas, celebrar a fartura. Mas algo dentro dele diz que não, não posso comer tanto assim, por isso ele faz uma contas aqui, outras ali e acaba não comendo tanto. Maldito discurso da saúde. Mas a alma persiste, alma de gordo.

Pouco se fala, entretanto, sobre a alma de quinquilheiro. E olha que ela atinge muita gente nesse mundo em que a memória tem que estar sempre tão intocada. O quinquilheiro não padece da auto-censura da alma de gordo: ele simplesmente não joga nada fora, e isso não é motivo de sofrimento. Aquele bilhetinho que você mandou para sua amiga na quinta série? Guarda, um dia você pode olhar para aquilo e sorrir. Aquele nauru furado chulepento? Guarda, um dia você pode querer fazer um estilo. Aquele armário comido por cupim? Guarda, vai que um dia você quer fazer uma instalação. Aquela impressora do século passado que não funciona mais? Guarda, pode ser brinde na festa junina.

E nisso, o quinquilheiro vai precisando de espaço para acomodar seus breguedeques. Primeiro um quarto, que ganha o carinhoso apelido de "quartinho da bagunça". Depois, o quartinho da bagunça vai tomando conta da sala, dos corredores, do banheiro. Sim, banheiro. Aquele frasco de xampu? Aquele naco de sabonete? Guarda!

Em tempos de Live Earth, declaro que a alma de gordo é mais benéfica à natureza do que a de quinquilheiro.

domingo, 8 de julho de 2007

o resvalar da pele

Quando passa muito tempo longe do sol, a pele morena ganha um tom amarelado. As olheiras afundam, marcam, perfuram o rosto. Os pigmentos de espinhas e manchas se tornam mais visíveis. A pele morena nem sempre vai à praia. Nem sempre pega sol na praça.

Os branquelos dizem que têm inveja dos morenos, do eterno bronzeamento. Mas, se o moreno não é jogador de futevôlei, a chance dele estar sempre bronzeado e com cara de saudável é ínfima. Em tempos de solidão intelectual, cerramento escritorial e economia neoliberal, os morenos aos poucos ganham uma coloração hepatite C. Depois, hepatite C à beira da morte.
No fim, sem possibilidade de retorno, nos tornamos ogros.

quinta-feira, 5 de julho de 2007

às armas!

Tenho 23 anos e ninguém nunca me chamou às armas. Ninguém nunca se aproximou de mim e me convocou para a luta. Sempre aguardei o chamado que nunca aconteceu. Incrível isso, não é? Uma vez eu quase desconfiei que havia chegado o chamado. Estava no açougue e o atendente me falou: os vegetarianos estão invadindo. Pensei, é a senha, é a senha. Minha arma escondida num naco de boi, dentro do frigorífico. Fiquei nervosa, me aprumei para responder. Que engano. Ainda não era a minha vez. Mas não desisti. Outro dia tava na fila do mercado, comprando iogurtes, e a caixa me falou: promoção bolinha vermelha só até amanhã. Na hora vi que era a senha, que genial! Minha arma escondida dentro daquele sensor de código de barras. Estava me preparando para responder ao código secreto, quando vi que não, ainda não havia chegado a minha vez.
Há anos eu espero o chamado. Agora ando desconfiada de uma senhora que passeia com o cachorro na rua em que eu faço pilates. Tenho certeza que dia desses ela vai me puxar pelo braço e falar macia e seguramente: Clara, agora vc se chama Matilde. Seu código é 61. Toma essa sacola, disfarça e deixa ali na entrada do cemitério. Vai aparecer um companheiro para te comunicar da ação. Lembre-se, vc não pode mais atender por Clara, só por Matilde. As suas armas serão entregues pelo companheiro Leone, que estará de meia azul.

Mas não. Nunca ninguém me chamou para a revolução.

penalidade máxima

Ver futebol para mim é quase uma meditação. Eu olho praquela tela, aqueles bonequinhos correndo, aquela bola para lá e para cá, e não penso em nada. Absolutamente nada. Até tento me concentrar, mas não rola, futebol é altamente relaxante. Não entendo como os homens conseguem se irritar com aquilo, berram, ficam putos, brigam. Ver futebol na TV é melhor que tomar coquetel de Lexotan com Prozac em uma tarde no Sana.

Ontem, por exemplo, eu tava vendo Brasil x Equador. Não sabia quem era o Brasil. Daí perguntei para o macho mais próximo para que lado o Brasil fazia gol, para pelo menos não gritar na hora errada. Aliás, acho que os gols deviam vir com uma placa em cima, para facilitar: Brasil, faça gol aqui. Equador, faça gol lá. Isso evitaria muitos gols contra! Vou vender minha idéia para a Fifa. Depois perguntei porque eles estavam jogando aquilo numa quarta à noite, com tanta coisa para fazer, e me disseram que era a Copa América, o que não fez diferença nenhuma. Daí comecei o meu transe lá com os bonequinhos.

Apenas algumas coisas atrapalharam meus momentos de relaxamento. A meia do time do Equador, por exemplo, que era vermelha e não tinha nada a ver com o resto do uniforme. Isso me deixou indignada. Os cabelos de um indivíduo chamado Alex Silva também me incomodaram um pouco. Parecia, sei lá, um arranjo de flores de funeral.

Quando eu estou vendo um jogo e me perguntam o que eu estou achando - sempre fazem isso, parece teste - eu já tenho as respostas: o Brasil precisa de mais garra! Tem que avançar, jogar mais para a frente! Esse meio-campo está muito fraco! Se eu quiser mostrar muito conhecimento, digo: qualquer pelada ali no Aterro dá de mil nisso aí! Uma vez vieram me perguntar a clássica, se eu sabia o que era impedimento. Haja saco. Darwin já havia catalogado essa diferença universal entre machos e fêmeas: saber o que é impedimento. Numa boa, que diferença isso vai fazer na minha vida? Vocês sabem passar delineador? E tirar olheira com lápis branco? Ah, vaitecatar.

terça-feira, 3 de julho de 2007

uma canção, um comentário

Canção:

Atirei o pau no gato

Atirei o pau no gato-to
Mas o gato-to
Não morreu-rreu-rreu
Dona Chica-ca
Admirou-se-se
Do be-rro
Do be-rro
Que o gato deu
Miau!



Comentário:
Essa é uma das músicas mais populares da infância. Depois dizem que a TV coloca violência e pornografia na cabeça dos pequenos. Olha só que coisa horrível: O cara atirou o pau no gato. Mas ele atirou para matar, porque depois ficou puto que o gato não morreu. Ele até procurou outro pau para tacar no gato, mas não achou, vai ver ele tava em São Paulo, onde não nascem árvores. Daí o aprendiz de assassino tava lá olhando pro gato, puto da vida que o animal estava vivo, quando chegou a dona Chica. Dona Chica ouviu o berro do gato. E o que ela fez? Admirou-se. Pensa que foi socorrer o gato, chamar a Suípa? Que nada. Ficou só se admirando, admirou-se-se, intensamente. Numa boa. Quanta inércia.

Essa música tem uma questão formal muito intrigante. Por que todos os finais de frase são repetidos? Pra irritar? Falta de criatividade? E o miau, que é o mais legal, não se pode repetir. Muita sacanagem.

Minha prima me ensinou a versão politicamente correta dessa música. Não sei o que é pior. Vejam só: "Não atirei o pau no gato/ pq isso/ não se faz/ o gatinho/ é nosso amigo/não devemos maltratar os animais." Ai meu Deus! Vou bolar uma versão meio termo. Assim não dá. Quase defendo a versão sanguinolenta.

meu dicionário

lar - barraco com pouca gente.

atolar - quando chove e o lar fica preso na sua prima larva.

lareira - mulher do lar, fala muita besteira.

domingo, 1 de julho de 2007

Helga

Helga nasceu no Pará. Isso mesmo, aquele estado onde tem muito açaí. Desde pequena, gostava de se esconder em navios. Não podia ver um barquinho encostando no cais que, puf, caía dentro, com toda aquela felpudice. Tinha esse hobby, vai entender. Gostava de ver as pessoas falando em línguas diferentes, as modas de outros lugares. Mas ela nunca conseguia ficar por muito tempo passeando no navio. Ei, tem uma ovelha aqui! Tira essa ovelha daqui! Capitã-ão, acuda, faz favor! Era uma madame européia, pouco familiarizada com as ovelhas do norte do Brasil.

Um dia, Helga estava escondida no navio quando adormeceu sem querer. O capitão assobiou, o navio partiu, e nossa ovelha querida foi junto. Dali a pouco chegou o dono do aposento onde ela estava:
Ei, quem é você?
Eu sou uma ovelha, e você?
Eu sou um aprendiz de feiticeiro.
Àfi, mas isso existe? No Pará tem não.
Não, não existe, eu fui inventado.
Ah, então tudo bem, porque eu também fui inventada.
Foi, é? Por quem?
Uma garota que tem um blog de ovelhas. E você?
Por um alemão muito famoso. Não vou nem falar pra não te deixar mal. Posso te falar uma coisa assim meio chata?
Pode.
O seu pêlo tá meio fora de moda. Tá horroroso, caótico. Trevas total. Posso cortar?
Claro que não. Eu, hein, vc é aprendiz de feiticeiro ou de cabelereiro?
De feiticeiro. Mas eu queria mesmo era ser cabelereiro. É o meu grande sonho. Mas hoje em dia personagem não tem vez. O autor manda e a gente fica sem saída.
É verdade. Eu, por exemplo, adoraria ser zebra. Ai, seria tão legal, ter aqueles risquinhos, e gritar zééééé!
Hummm... tive uma idéia. Vamos fazer uma troca. Você me deixa cortar o seu pêlo, e eu viro cabeleleiro. Daí eu faço uma mágica provisória, e você vira zebra!
Ok, combinado!


O aprendiz fez sua mágica. Helga virou uma zebra. Só que, como bom aprendiz, ele errou num detalhe. Helga virou uma zebra pra lá de fofa, mas continua dizendo méééé.

Pois é, querida, não foi dessa vez. Está pensando o quê? De mim você não escapa! Ainda sou sua autora, viu? Mééééé!