quarta-feira, 29 de agosto de 2007

Eu e a Frida

Hoje estava me sentindo meio Frida Kahlo.

Mas não sabia muito bem porque estava me sentindo meio Frida Kahlo.

Frida teve paralisia infantil, sofreu um acidente num bonde, fraturou três vértebras e a pelve, sofreu vários abortos e ficou estéril, depois teve osteomielite e precisou amputar o pé, no total fez mais de trinta cirurgias. Paralelamente, tornou-se uma gênia da pintura modernista e surrealista, deu pouso a Trotksi e conheceu André Breton, coloriu México como ninguém.

Continuava sem entender porque me sentia Frida. Que eu saiba, em nenhum desses pontos me aproximo dela. Ou será que aquele cara que conheci ontem era o Trotski?

Daí olhei no espelho e entendi: as sobrancelhas. Frida era meio monocelha, e eu estou ficando. Pinça já! Corri pro telefone e marquei hora no salão de beleza.

Mas ainda acho que não é só isso.

declaração de amor

Meu amor, você
com essas negras pulseiras
desperta tantas lembranças
como as algemas que me colocaram porque dei uns socos num cara na Vila Mimosa

Chuva no Rio

Não entendo qual é a enorme graça de passar com o carro bem rápido na poça de água de chuva e molhar todos os pedestres. Quase dá para ouvir a risada de bruxa do motorista dentro do carro: mais um encharcado, mais um, hahahahaha. O cara deve ficar o dia inteiro vendo sites na internet só para saber quando vai chover. Daí começa a chuviscar e ele sente uma vibração interior, é a hora, é a hora. Começa a se arrumar devagar, enquanto a chuva aperta, daí pega o carro, amacia o motor suavemente, sai à rua e, chuá, molha todo mundo, hahahaha. No rádio do carro, talvez, uma sinfonia de Beethoven.

Por isso decidi adotar a capa de chuva. A minha é rosa. Vocês vão ver só, seus motoristas, a Clara Rosa anti-pingos vem aí.

segunda-feira, 27 de agosto de 2007

Ovelhas em Recife

Capibaribe, Boa Viagem, Sarapatel: as ovelhas ficaram encantadas com Recife. Helga deslumbrou-se com o Maracatu, Joana com o povo delicado, e mesmo Amélia, fresca que só, adorou o sorriso largo daquele povo. As três, imagina, até já pegaram sotaque! Eita ovelhada arretada! Fizeram contato com umas ovelhas recifenses e já estão se programando para o carnaval. Até ganharam um repente de presente!

Está inaugurada a conexão ovelhística de literatura Rio-Recife! Mééééé!

segunda-feira, 20 de agosto de 2007

nós, os ansiosos

É muito fácil reconhecer um ansioso. A dica maior está logo ali, entre o cérebro e os membros superiores: pizza. Ansioso que se preze tem pizza. Não adianta, pode estar frio, calor, outono, ventos primaveris, o suor pizzesco não nos deixa em paz. Isso não quer dizer que é fedorento não, ô engraçadinho. Nós ansiosos também compramos desodorante. O problema é que parar de suar é um desafio.

É feio, eu sei. Ai, ai, ai, menina feia, não era pra ficar escrevendo essas coisas aqui. Já troquei de desodorante umas vinte mil vezes, mas o problema não é esse. O ansioso nunca está onde está, existem mil áreas do cérebro em funcionamento em um só momento, o que dá motivo para o transbordamento da ansiedade - e das pizzas. No fim das contas, o que interessa é que o sovaco é o órgão que melhor manifesta a loucura esquizofrênica. Se as milhares de pesquisas médicas psiquiátricas nunca descobriram isso, é porque menosprezam a capacidade sovacal. Dia desses me perguntei: será que o sovaco pensa? Acho que pensa. Acho que é uma extensão do cérebro. Sinapses, sinapses. Vou tentar ler com o sovaco dia desses. Ou não. Sei lá. Socorro. Vou parar de pensar, estou ficando com pizzas.

o vagalume

Todo dia acontece alguma coisa inesperada na vida das pessoas. Mas não na de Oswaldo, o Vagalume. Desde quando inventaram a luz elétrica, Oswaldo havia ficado muito deprimido. Qual setria a função de sua existência no mundo? De onde vinha, pra onde ia? Vagalumes são coisas ultrapassadas. Ninguém mais precisa daquele brilhinho. Oswaldo tinha saudade dos tempos em que era astro, em que as pessoas ficavam correndo atrás dele. Breve fama. Agora andava se arrastando pelas ruas. Levando susto com a lanterna dos carros.

Oswaldo estava comendo um pastel no china quando conheceu Lavínia, a lâmpada. Foi amor à primeira piscada. É bem verdade que eles estavam um pouco longe, mas Oswaldo se esforçou e


(continua. me deu preguiça.)

quinta-feira, 16 de agosto de 2007

escrever

escrever é uma tortura.
deliciosa.

terça-feira, 14 de agosto de 2007

declarações de amor

Meu amor,você
com esse perfume
me traz tantas lembranças
como o repelente que levo para Mauá.

domingo, 12 de agosto de 2007

Priscila, minha amiga de escola

Com a Priscila eu estudei o primeiro e o segundo anos. Ela tinha peitos enormes. Os sutiãs eram sempre coloridos, embaixo do uniforme colegial. Tinha uma verruga horrorosa no ouvido esquerdo. Ou direito, não lembro muito bem. Tinha ranço de francesa, falava meio fazendo biquinho, e os meninos gostavam. Colava pra dedéu. Sempre do cara da frente. Ou do lado, não me lembro muito bem.

A coisa mais bonita que me lembro de Priscila é que ela tinha um caderninho secreto. Com a letra gorda de quem pouco escreve, havia preenchido uma brochura inteira. Só sonetos de Vinícius. Categorizou em fases de namoro: início, deslumbramento, realidade, decepção, fim. Um dia ela me mostrou o caderninho. Tem certeza? Tenho, abre aí. Nossa. Você lê para os namorados, Priscila? Não, mas os sonetos me acalentam. Quer um? Toma aqui. E rasgou a página.

Priscila queria ser engenheira. Ou oceanógrafa, não lembro muito bem.

quinta-feira, 9 de agosto de 2007

Auto-assunto

Existem uns caras nas ruas do Rio que têm por profissão levantar a auto-estima das mulheres. Eles se espalham em pontos estratégicos só para falar: gostosa! boneca! com essa eu casava! fiu-fiu! E por aí vai. Para quem acordou de mau-humor, se achando uma ameba podre, esses caras são muito úteis. Basta colocar uma roupinha justa ou mais curta que é tiro e queda.

Ultimamente ando reparando num fenômeno estranho. Ao invés de tecer elogios, os caras me olham e gritam: concordo! é isso mesmo! Comecei a me perguntar, céus, o que está acontecendo comigo? Daí descobri: eu falo sozinha o tempo inteiro. Posso estar triste, feliz, puta, qualquer coisa é motivo para falar sozinha. Conto coisas para mim mesma, invento histórias, dou risadas, resolvo a vida dos outros, reclamo dos impostos bancários, lembro da minha avó que morreu, tudo falando sozinha. Por isso os gritos de concordo! dos caras da rua. Já tentei parar com isso, mas é muito difícil. Às vezes eu tento disfarçar com óculos escuros, mas acho que não funciona.

Resumindo: nunca mais serei chamada de boneca pelos profissionais do levantamento de auto-estima. Mas, de repente, um dia eles querem saber o meu auto-assunto.

terça-feira, 7 de agosto de 2007

A kombi da Cardoso

Todo dia, do trabalho para casa, eu tomo uma kombi. A kombi da Cardoso. Na verdade, são dois motoristas que se revezam, o Seu Dionísio e o Seu Marcos. O Seu Dionísio é surdo, meio cego e, mesmo assim, motorista. Isso é que é persistência. O Seu Marcos é todo alegrinho, bem vestido, pastor numa igreja e vive me dando conselhos. Eu aceito todos.

Os papos da kombi são ótimos. Aumento no preço da farinha rende umas três viagens. A existência do sete peles, então, dura um mês. Dia desses a velhinha falou pro Seu Marcos, o motorista pastor, que acha que ele não é cristão de verdade. Ele não deixou barato: prometeu nunca mais comprar fermento pra ela. Semana passada a vizinha da casa laranja apareceu com um buquê de flores e disse que era presente de uma colega de trabalho, que deu assim na base da amizade. Na base da amizade? Isso me cheira a lorota, grunhiu Seu Dionísio. Daí eu ajudei a montar uma desculpa pra ela contar pro marido. Ainda não sei se funcionou.
Hoje conversei com uma vizinha que quer morar em Miami. O frio do Rio é muito fajuto, ela explicou. E tinha também uma mulher que não suporta andar para trás. Sabe aqueles bancos de kombi que ficam andando de costas? Então. Ela não senta ali nem a pau. Acha atraso de vida.

É por isso que não moro no asfalto.

(adoro a cassia eller, mas ela podia ter tomado umas aulinhas de francês.)

sábado, 4 de agosto de 2007

Banguela

Banguela era iniciante, mas estava gostando do trabalho. Só estranhou quando lhe passaram a nova tarefa.

Centro espírita, Anselmo, não estamos indo longe demais, não?
Sossega, Banguela, tá cheio de bacana, é só chegar e fazer a limpa. Tu é do serviço ou não é?

Banguela arrombou a porta num só soco. Todos reagiram com um susto. Menos um, o médium. Ao invés de se jogar no chão, ele andava. Atira logo, Banguela! Não dá, não dá! Algo o impedia de puxar o gatilho. Deixou que o médium tocasse em seus cabelos. Fitou aquela face e reconheceu, no sorriso suave e no cafuné: era sua tia Dolores. A vergonha percorreu as vértebras como um assobio.

quinta-feira, 2 de agosto de 2007

engano

Alguém um dia vai me olhar bem firme e falar: ei garota, descobri tudo. Não tente me enganar.