sexta-feira, 29 de junho de 2007

abóboras

há um tempo atrás não acreditava que morar em casa poderia ser melhor que morar em apartamento.
as pessoas me falavam: ai, que bom, você pode jogar queimado, ter um cachorro, dar festas incessantes.
mas eu nunca quis jogar queimado, ter um cachorro, dar festas incessantes.

aí um dia nasceram umas abóboras no meu quintal.

não sei como, mas nasceram várias. as abóboras foram crescendo e se espalhando e tomando conta do quintal.
veio um biológo e disse: que abóboras fortes você tem. nascem muitas e boas.
daí eu passei a entender como é legal morar em casa.
só assim é possível ter abóboras.
olho para elas e penso que já foram a carruagem da cinderela.

quarta-feira, 27 de junho de 2007

é uma mula

era uma vez a mula com cabeça.

a mula com cabeça funcionava ao contrário: não assustava nenhuma criança, nenhum terráqueo, mas assustava todas as mulas sem cabeça e os sacis.

tudo que a mula com cabeça mais queria era perder a cabeça.

um dia ela teve uma idéia. (graças a sua cabeça):
pegou uma máquina do tempo e foi para a Revolução Francesa.
se vestiu de comunista e pediu para ser decapitada.
o decapitador não sabia muito bem quais eram as regras do jogo.
se mula comunista estava valendo ou não.
e decidiu ceder às súplicas da mula com cabeça.

desse dia em diante, a mula está toda-toda, só vendo.
vive por aí, assustando as pessoas
e é muito amiga dos sacis e das outras mulas
restou apenas uma sequela, uma ligeira coceirinha no nariz.
mas não tem problema,
ela coça com a língua.

fim

segunda-feira, 25 de junho de 2007

Placas de banheiro

Está cada vez mais difícil distinguir as placas dos banheiros masculino e feminino. Será o avanço do pansexualismo? A evolução da igualdade entre os sexos? Não, acho que é criatividade porca mesmo. Já achava aquela coisa da inicial meio complicada. Numa boa, S é o quê? Pode ser senhor, senhora, solange, sidimir, salgadinho, sapos.

E aquilo de bolsa com luva para o banheiro feminino e cartola com bengala para o masculino é, digamos, muito intrigante. Mulheres usam bolsa, ok. Mas que homem sai na rua com cartola e bengala? Só os mágicos! Só os mágicos! Lembro que uma vez, fiquei um tempão na porta do banheiro vendo se ia aparecer um mágico. Ou desaparecer. Mas isso faz tempo, eu tinha uns trinta e três anos.

Outro dia estava no planetário da Gávea e fui ao banheiro. Olhei para as plaquinhas. Céus, sou um sol ou uma lua? Sou mais o cometa Halley. Ou a galáxia de alfacentauro. Agora imagina só a agonia: o cara é transexual é quer ir ao banheiro. Não sei bem o que isso significa, para mim o prefixo trans indica mutação. Então o transexual está sempre mudando de sexo. Como é a plaquinha dele? A bengala vira baton, que virá um símbolo fálico, que cai dentro da cartola. A cartola vira, sei lá, uma coisa misturada, uma omelete. A omelete fica na plaquinha.

Pronto. No futuro, todas as plaquinhas serão omeletes.

sexta-feira, 22 de junho de 2007

Polifonia

Eu não acredito na autoria.

Ninguém é autor de nada.

A originalidade não existe.

Pensa bem: em uma única manhã, que frases que você falou são suas e que frases vc pescou de lugares quaisquer, de pessoas quaisquer, livros, filmes, de experiências outras? Impossível discernir. Saber o que é meu e o que eu reapropriei de bocas alheias. Tudo isso se mistura. Vivemos em contato com as invenções do outro e as reproduzimos, reinventamos. O discursos são perpassados, há sempre múltiplas vozes em choque.
Isso de dizer que uma invenção é minha ou de outra pessoa é um erro ontológico. Vai contra a natureza social e processual do ser humano. Dependemos da alteridade.

A autoria, concebida dessa maneira, me parece muito pretensiosa. Tal idéia é minha, eu a tive devido ao meu gênio mais do que maravilhoso, e ponto. Que falácia. Por isso mesmo, prefiro o termo organizador. Pronto. As coisas vem a mim, eu as organizo segundo uma lógica minha. Isso sim. A originalidade caminha por aí. Mas a origem das idéias não sou eu, exclusivamente eu, somos nós.


(não, não vou colocar a bibliografia.)

quarta-feira, 20 de junho de 2007

Samba Lelê

Canção: "Torturando Lelê"

Samba Lelê tá doente,
Tá com a cabeça quebrada.
Samba Lelê precisava
É de umas boas lambadas.
Samba, samba, samba, ô Lelê!
Samba, samba, samba, ô Lalá!
Samba, Samba, Samba, ó Lelê,
Pisa na barra da saia, ó Lalá.

Comentário:

Não entendo isso de dizer que a Lelê tá doente, tá com a cabeça quebrada. Numa boa. Acho que existe uma diferença estrutural entre estar doente e estar com a cabeça espatifada, sangrando, os miolos à mostra. Isso é sacanagem. Aliás, a letra toda é uma gozação com a Lelê, ou Samba Lelê, mas eu que a conheci prefiro chamar simplesmente de Lelê.

Dizem que é uma cantiga de roda. Acho isso assustador. Imagina só: várias pessoas em roda, Lelê no meio, com a cabeça quebrada. Daí alguém fala: ela precisa mesmo é de umas boas lambadas! O outro retruca: não, lambada não, é muito fácil. Vamos botar a Lelê para sambar! E todos, em coro: samba, samba, samba, Lelê! Ela sai se requebrando, sambando no salto salto alto, a cabeça quebrada e sangrando, quase não se aguenta no próprio corpo. Lelê pensa: tenho que ser forte, está quase no fim da música. É justamente aí que alguém tem a idéia: vou pisar na barra da saia da Lelê!

Lelê costurou a cabeça e passa bem. Nunca mais sambou. Agora, só boleros.


terça-feira, 19 de junho de 2007

O nariz

Estava eu lendo um texto de manhã. Faço isso sempre.
Daí reparei que entre o meu pensamento e o texto havia um nariz.
O nariz era o meu mesmo.
Tentei me concentrar no texto, porque ele era meio cabeludo.
Mas o nariz continuava lá, narigando.
Lembrei de umas técnicas de meditação russa e consegui ler três parágrafos.
Estava hiper no conteúdo.
Daí comecei a reparar num barulho estranho.
Era a minha respiração.
Eu estava respirando pelo nariz, aquele que fica entre o meu pensamento e o texto.
A minha respiração estava me atrapalhando muito.
Não conseguia ler o texto.
Daí resolvi tampar o nariz. Acabar com aquela farra. Me concentrar no texto.
Tampei o nariz por um tempão.
E comecei a morrer devagarinho.
Esse negócio de morrer estava me atrapalhando a ler o texto.
Achei melhor destampar a respiração.
E coloquei um biquíni.
Fim.

meu dicionário

sumir - o que Zilda desejou quando viu que seu filho João Roberto usava saias e penteava as sobrancelhas.

assumir - o que João Roberto fez, ao se apresentar como "La Crisalida, meus cílios te desafiam".

sumidade - o fim que teve La Crisalida. Foi vítima do fenômeno de desaparecimento que acontece na terceira idade. Ela sumiu, com a idade. Desapareceu mesmo. Não resistiu às rugas.

(Pobre Crisalida. Dava muitos autógrafos, e nunca deixava de espiar a platéia no exato instante em que se conta uma respiração antes da cortina de veludo vermelho se abrir.)

domingo, 17 de junho de 2007

boa demais

eu sou muito boa
eu sou muito muito boa
não agüento tanta bondade que há em mim

converso com os sem-teto
dou sorrisos para o analfabeto
até cumprimento os pobres
e não peço nenhum cobre

participo da campanha do casaco
cedo lugar na fila pros velhacos
engulo o bife do restaurante de um real
e finjo que não me faz mal

conto histórias para crianças ceguinhas
compro vestido das costureiras da Rocinha
envio cartões dos pintores sem mão
e digo que é o hit do verão

eu sou boa
eu sou boa demais
ó céus, quase não agüento
quanta bondade há em mim

quarta-feira, 13 de junho de 2007

eu e os bichos

Não gosto de bichos. Pronto, falei. É isso. Não sinto afeto nenhum por cachorros, não simpatizo com gatos, não faço carinho em hipopótamos, não alimento orangotangos, nunca salvei uma baleia. Ok, vou a cara das ovelhas, mas só longe de mim, no mundo simbólico e irreal. Perto não dá, deve ser fedorento, muito pêlo, pasto, não curto.

Uma vez tentaram me convencer de que amor de cachorro é amor bruto, não passa pelas complicações dos seres humanos. Peralá. Amor humano também é descomplicado. O amor, em si, me parece descomplicado. O que o torna complexo são outras arestas. Não venham me dizer que cachorros amam melhor. Só por que ele abana o rabo? Vou passar a abanar o meu apêndice.

Na verdade, nessa coisa de animal doméstico, ainda que não goste de nada, tenho um ligeiro interesse pelos gatos. Pelo olhar atento, pelos movimentos rápidos e, principalmente, pela mitologia. Gatos pretos, úúúúúúú, sai da frente.

Dia desses estava no jardim aqui de casa, tomando um solzinho, quando avistei um gato na grama. Era cinza. Putz. Tremi. Gato cinza é pior que preto. Com o preto eu ainda penso: não vou me deixar levar pelo senso comum, isso tudo é uma besteira (e fujo do mesmo jeito). Mas cinza? Cinza foi demais para mim. Não é branco, nem preto, é a afirmação da contraditoriedade. O gato me fitava. Que foi, seu pulguento? Ele mexeu a cabeça de leve. Acho que riu. Sai daqui, xô! Ele lá, paradão.

Nesse dia eu li o horóscopo.

Além da curva

Desde pequena, eu sou buscada em muitos lugares.

Ser buscada quer dizer que eu fico em pé esperando alguém passar de carro e me buscar.

Normalmente, espero depois da curva.

E fico adivinhando quem vai sair da curva.

Se o barulho é muito tec-tec, adivinho que é um fusca.

Se é um barulho de vento, adivinho que é o carro do jaspion.

Se ouço ruído aventureiro, é uma jaqueta de couro na moto.

Se faz plim-plim-plim, é um vagalume com sua besourinha.

Se soa muito grave, é uma nuvem cheia de chuva.

Se é como um suspiro, lá vem uma flor desabrochando.

Sei quase todos os barulhos que vêm da curva.

Menos um.

segunda-feira, 11 de junho de 2007

Missa ambulante

Gosto de andar de ônibus. Estranho, né? Demora, é quente, no verão rolam umas baratas, e se vc está em pé sempre pinta um espertão para ficar atrás e tirar uma casquinha. Andar de carro parece muito melhor. Mas nem sempre é.

Um dos momentos que eu mais gosto nos meus passeios de ônibus pelo Rio é quando se passa em frente a uma igreja. A galera está lá no transe, ouvindo música, pensando na vida, olhando para ver se vai entrar assaltante, de repente tudo pára e todos - tcham - se benzem. Em qualquer canto do Rio, é batata: passou em frente a uma igreja, os passageiros se benzem. O ônibus vira uma missa móvel. Não estamos mais nos locomovendo de um ponto a outro, assim, objetivamente: somos passageiros da viação Saens Pena e passageiros dessa vida comezinha, que um dia acabará. Da terra viemos, pelos ônibus passaremos, à terra retornaremos.

Quando comecei a andar de ônibus, lá nos meus 11 anos, achava aquilo tão estranho. Um momento de sentimentalismo em pleno 409. Mas confesso que não demorei muito para adotar a cruz. Não custa nada, né? Também preciso de uma mãozinha. É, ainda me enrolo um pouco. Nunca sei o leste-oeste da cruz grande. E com as mini-cruzes (perdoem a terminologia) que vem a seguir, me enrolo mais ainda. Não sei muito bem se é na testa, na boca, o que vem primeiro, só sei que é pequenininha. Faço assim mesmo. Às vezes vem uma beata me corrigir. Daí eu explico que, poxa, eu só quero pedir uma ajudinha daí da eternidade. E funciona.

domingo, 10 de junho de 2007

Aritmética das feminices

Receber um creme anti-estrias de presente - 10m de fundo de poço

Caprichar no rímel e não ser notada - 50m de fundo do poço

Comprar um perfume francês e descobrir que é uma catinga paraguaia - 500m de fundo do poço

Escrever uma poesia apaixonada e o namorado dizer que ficou bom, parece até Jorge Vercilo - 100.000.000m de fundo do poço

sábado, 9 de junho de 2007

Piloto de caça

Ano passado fiz um curso para piloto de aviões de caça. Nunca tinha pensado nisso, mas tive que fazer. O mercado anda muito ruim, a gente tem que se virar. No início implicaram comigo, talvez porque sou baixinho, meio atarracado. Mas e daí, que se dane, o mercado tá ruim, a gente tem que se virar. Logo no primeiro mês de aula, percebi que o professor não ia com a minha face. Implicava comigo o tempo todo. Você aí, garotão, vai ter coragem de correr atrás do inimigo? Isso aqui não é concurso de pirueta na praia, não, moleque. Olha que ainda dá tempo de sair. Engoli em seco. Mas o mercado tá ruim, a gente tem que se virar. As mulheres da escola me infernizavam. Falavam que eu nunca ia ser piloto. Que não tinha porte. Aturei na maior. O mercado tá ruim, tenho que me virar. Quando o Tom Cruise entrou no curso, pensei, pô, lascou, o cara é foda, pegou a Nicole, agora vai ser dose. Que nada. Tom Cruise me adotou. Me ensinou muitas coisas sobre técnica de vôo. Me ensinou também uns truques de massagens. E, principalmente, me deu lições sobre como se virar no mercado. Hoje eu abri uma religião e tô bem na fita. Caçocificismo. Nunca mais passei perrengue. O mercado é isso aí, a gente tem que se virar.

penduricalhos

Braços são uma parte do corpo. Braços ficam pendurados nos ombros.

Às vezes meus braços são muito úteis: quando abraço alguém, quando quero tomar um chá ou quando vou me pentear.

Mas há momentos em que eu simplesmente queria não ter braços, ficar só no ombro mesmo, com as mãos presinhas.

Quando fico sem-graça, simplesmente não sei onde enfiar os braços. Daí coloco as mãos nos bolsos. Se estou sem bolsos, cruzo os braços. Mas aí fico parecendo mano. Já tentei cruzar os braços em cima da cabeça, mas algumas pessoas não compreenderam o meu gesto.

Algumas vezes eu vou dormir e simplesmente não encontro posição confortável para os meus braços. Queria ter um dispositivo e tirá-los naquele instante, ploft, que nem um robocop. Só recolocar depois, na hora do chá.

Uma vez fui ao teatro e o porteiro me impediu de entrar. Minha filha, em teatro e igreja não se entra de braços cruzados.

Descruzei na hora. Faz muito sentido.

terça-feira, 5 de junho de 2007

A maldade que há em mim

Vira e mexe eu tenho uns sentimentos maldosos. Vontade de explodir a cabeça de alguém, por exemplo, é quase todo dia. Podia explodir com um martelo, mas dá muito trabalho, preferiria uma granada mesmo. Vontade de explodir uma sala cheia de gente é toda semana. Ir lá e puft! soltar uma bomba, estilhaçar tudo. Vontade de cortar o dedo mindinho de alguém já é mais raro.

Vontade de cortar os cabelos das pessoas quando elas estão dormindo, isso eu tinha muito na adolescência, mas passou. Também tinha muita vontade de berrar no ouvido de alguém até explodir os tímpanos, mas isso foi ficando pra trás. Acho que me sofistiquei.

Uma coisa que já tentei, mas nunca consegui, foi bolar um jeito de fazer a pessoa morder a própria língua. Não é no sentido figurado, não, é literal: dar aquela bruta dentada no músculo. Como se fosse morder um podrão. Daquelas mordidas na língua que a gente fica lembrando o dia todo, de tanta dor. Então, adoraria fazer isso com certas pessoas, mas não tenho a técnica. Não dá para obrigar. Morder a língua é uma coisa que se faz sozinho. Que droga.

as minhas janelas

Em meu quarto há duas janelas:

Uma é de madeira e tem o tamanho de uma porta.

A outra é de LCD e tem dezessete polegadas.

Por uma eu vejo miquinhos, flores, arbustos e a enseada de Botafogo.

Pela outra eu vejo simulação, falácias, hipertextos e pop-ups.

Hoje acordei e não sabia que janela olhar.

Misturei uma janela na outra e vi
simulação nos arbustos
miquinhos nos pop-ups
hipertexto nas flores
e falácias na enseada de Botafogo

Assim fica bem mais bacana.

segunda-feira, 4 de junho de 2007

meu dicionário

Fada - ser sobrenatural bonzinho pra dedéu. Possui vara de condão.

Arfada - manifestação de cansaço das fadas. Normalmente ocorre quando elas jogam futebol.

Golfada - manifestação comemorativa das fadas, quando marcam um gol no campeonato. Elas regurgitam pó de pirlim-pim-pim. Inpiração na sininho.

Enfadonho - como as fadas chamam o Programa de Educação Fadística. Não ensina nada e ainda chateia. As fadas de hoje em dia querem aprender na vida.

sábado, 2 de junho de 2007

Remédio

Ontem eu acordei com esquizofrenia.

Meu pai me disse que esquizofrenia é uma doença que dá na cabeça.

Como não sabia muito bem o que fazer, achei que devia passar um xampu para caspa, porque caspa também dá na cabeça.

O xampu ardeu meu olho, mas funcionou. Tô quase curada da esquizofrenia.

Mas não da caspa.

A caspa foi crescendo, crescendo, entrou em todos os meus neurônios, tomou conta de mim.

Daí agora eu adquiri uma personalidade caspa: pegajosa, nojenta, multiplicadora.

Tenho que conviver comigo mesma, com a caspa e com a ponta de esquizofrenia que não sarou.

Claraspa.