segunda-feira, 29 de março de 2010

Na qualidade de ateu por imposição e opção, não creio em nada desde sempre. Ser ateu, ao contrário do que muitos pensam e pregam, não é opção, é falta de. Quando nunca se acreditou em nada, fica difícil passar em crer em alguma coisa. É como uma operação mental que não se completa, posto que não foi feita na idade certa. Crer, para um ateu legítimo, não é escolha, é simplesmente uma impossibilidade. Portanto, não acredito em nada faz muito tempo. E também não suporto a idéia de passar embaixo de escadas.

Havia muitas escadas em Botafogo nessa segunda. No trajeto entre o suco de laranja e o trabalho, precisei desviar de três, para não passar embaixo. Havia mais escadas do que o normal. Não que eu conte escadas nem nada, mas desvio de todas, então tenho mais ou menos uma média por ruas. Botafogo é um bairro de construções: há muitos prédios sendo levantados por todo canto, e todos, os novos também, se erguem com o mesmo desencantamento de todo o resto do bairro, mantendo a aura de algo antigo que nunca vai se revitalizar, e que talvez - mas muito talvez - tenha o nome de decadência. Botafogo é o único bairro da Zona Sul em que ainda são construídos muitos novos prédios, principalmente na região mais cinzenta, a perto do cemitério. Uma lambança de operários, máquinas de rodar cimento, telas de proteção, lá vem o novo, olha o novo chegando. E Botafogo é o único bairro carioca que tem um cemitério e uma enseada. De perto do cemitério, não é possível nem de muito longe imaginar a estupidez da beleza da enseada.

Quando desviei da terceira escada, quase caí na rua. Vou ser atropelado, vou ser atropelado, pensei, quando vi a mão do motoboy puxando. Cheguei a cair, mas

((pronto, consegui começar. Vou terminar em outro canto. Eu sabia que o que estava atrapalhando era o word, que a plataforma do blog ia ajudar. Arrá! Agora vou seguir escrevendo.))

quarta-feira, 24 de março de 2010

Mais um pouco de Botafogo

Em Botafogo, tudo é menor do que deveria ser.

Em Botafogo, não precisa haver fumaça para se ter a sensação de que estamos enfumaçados.
E, embora haja muitos prédios coloridos, varandas rústicas, belas casas do século retrasado, tudo parece cinza. Não precisa haver cinza, de fato. Seria uma redundância. Botafogo é cinza sem ser.

terça-feira, 23 de março de 2010

Resenhas artísticas e intelectuais desse final de semana:

Deixa ela entrar: filmaço
Um homem sério: filmaço
O segredo dos seus olhos: não vi. Me roendo de.
Sunset Boulevard: pirateei três vezes. Presenteei amigos de trabalho.
Voluntários da Pátria: engarrafada mesmo no final de semana.
Pôr do sol no Arpoador: a existência vale a pena.
Desautorizada: palavra que ficou rocamboleando na cabeça.
Onetti: É o próximo.
Franny and Zooey: inspirador, desde sempre.

Resenha da segunda-feira:
A Net, pior empresa de todos os tempos, me cortou e não religa de jeito nenhum. Sem telefone e sem internet, fui obrigada a começar um conto.

sexta-feira, 19 de março de 2010

ready made

Se as palavras se tornam interessantes, ei-la, a literatura. Palavra que não emociona não interessa. Simples assim. Lição de escola de letras? Não, de pedinte carioca.

Já recebi várias vezes, em ônibus, na rua, um papelzinho assim:

Sou surdo e mudo. Não tenho trabalho. Qualquer trocado ajuda. Deus lhe pague.

Eis que ontem, nos Correios da Praia de Botafogo, um homem limpo e bem vestido me entrega em um A4:

Sou mudo. Meu tio alcoolizado me cortou metade da língua com uma faca afiada quando eu era criança. Eu escuto, mas não consigo falar. Por favor me dê dinheiro. Quero comprar uma carrocinha para trabalhar como pipoqueiro.

Incomparável. Há conflito, objetivo, história, detalhes na medida. Um homem sem língua que sonha ser pipoqueiro.

E também há muita miséria humana.

quarta-feira, 10 de março de 2010

Coloquei um ponto final agora e não é que curti?

Bem diferentes dos poetas românticos, sonhadores delirantes que viviam em busca de uma mulher ideal, existiram os poetas malditos, que recebiam esse nome pelo comportamento desobediente e sem modos, à margem das boas convenções sociais. Fumantes inveterados, boêmios, viciados, largados, doentes, esses vagabundos da palavra tinham os bares como sua segunda casa. Rimbaud e Baudelaire, famosos poetas franceses, habitaram a linhagem dos malditos. Aqui no Brasil, Augusto dos Anjos e Torquato Neto estão entre os que largaram o veneno dos versos no papel. Para deleite dos leitores.