sexta-feira, 30 de novembro de 2007

dezembro

E todo dezembro é a mesma aflição:
começo com as promessas para o ano-novo
e termino com as da próxima encarnação

quinta-feira, 29 de novembro de 2007

Da arte de irritar

A arte da irritação é coisa para poucos. Digo aquele irritação que tira do sério, que domina o corpo, que subitamente faz acumular baba na boca. Irritar o outro é difícil por um motivo muito simples: a irritação genuína vem de um conhecimento íntimo, que poucas pessoas compartilham conosco. Irmãos, por exemplo, costumam ser mestres nessa arte. Basta uma frasesinha, uma olhada e já se está sentindo um certo rubor. Para pessoas que, como eu, possuem certa suscetibilidade irritacional, é um prato.

Mas o que tenho reparado é que, modernamente, o fenômeno oposto tem acontecido com alguma frequência: as pessoas começam a te irritar para ganhar intimidade. Isso mesmo: o sujeito não te conhece, jamais cruzou com você em esquina alguma, e vai dizendo desaforos simples, fazendo solenes gracinhas, testando as fronteiras, verificando o que funciona e o que não funciona. Muitas vezes o pretexto é a piada - a pessoa está tentando te irritar, mas fazendo as tão conhecidas e sutis piadinhas imbecis. Se você não ri, que falta de senso de humor, meu caro.

Feita essa apocalíptica reflexão de fim de ano, declaro que não tenho nada a concluir, porque nunca se conclui nada mesmo. Declaro também que nós, os mal-humorados, estamos achando o mundo meio cruel. E nós, os bem-humorados, achamos que piadinha desse tipo é falta de imaginação.

Fim.

quarta-feira, 28 de novembro de 2007

e eis que a homeopata colocou cannabis sativa na remédio.
medicinalmente chapada.

esse seu bom humor
me sufoca
meu amor

segunda-feira, 26 de novembro de 2007

tomar banho, cantarolar uma música, pensar na roupa, também vai sair?, secar os cabelos, catar o celular, trocar as coisas de bolsa, me dá uma carona?, esquecer os documentos, trancar a casa, lembrar o que esqueceu, você já esteve aqui?

sábado, 24 de novembro de 2007

Os carteiros estão de bermudinha:
chegou o verão.

quarta-feira, 21 de novembro de 2007

detesto quando me escrevem
hauahauahauahau
nessas conversas de internet.
nunca sei se a pessoa teve um ataque de úlcera,
ou um câncer no cérebro,
ou se simplesmente descobriu
que a paz mora dentro.

sábado, 17 de novembro de 2007

Conjugacao

a planta que comecou a rebolar e se transformou num sucesso de tecnobrega:

eucalipto
tucaliptas
elecalipta
noscalypsamos
voscalypsais
elescalypsam




(nova serie do `meu dicionario`: conjugacao)
(esse aqui com participacao de kelly, recem-casada)

segunda-feira, 12 de novembro de 2007

as unhas compridas

A unha comprida serve para arranhar, catar piolhos, ser pintada. Entretanto, a principal finalidade de uma unha comprida é intermediar o contato com o mundo. Com o dedo e as unhas curtas, o contato é imediato: pego a lata de coca, sinto; se quero as moedinhas, apalpo, se viro a página de um livro, tateio. Com a unha comprida, bau-bau. Temos que erguer um pouco os dedos para fazer qualquer coisa. A unha está ali para determinar os contornos entre os objetos, para dizer que não somos todos contígüos, para confirmar correntes filosóficas sobre a alteridade e suas decorrências. (Eita, quase me perco nessa.)

Às vezes algumas coisas ficam escondidas nas unhas compridas. Outro dia mesmo achei um dente de leite, que tirei aos oito anos e nunca mais encontrei. Além disso, eu dou diversas utilidades às minhas unhas. Pinto de "deixa beijar" - alô rapazes, esse é o nome do esmalte - e lixo ora quadradas, ora redondas.

Ah, sim, e digito incessantemente no teclado, escutando o tic-tic-tic das unhinhas, que parecem gostar mais dos tempos em que tinham piolho para catar.

anti-dicionário

pessoas que falam
fofaaa
amigaaa
queridaaa
alongam as vogais sem finalidade poética
e por isso têm certa propensão irritante

sábado, 10 de novembro de 2007

Nome de guerra

Essa profissão não é mole. A formação não é qualquer uma: o líder havia feito um curso de história da arte na Cidade do México, e o novato acabara de fazer uma especialização em Ouro Preto. Com a arte contemporânea, a revolução digital e tudo mais, estava muito difícil saber o que roubar e, principalmente, por quanto vender.

Como fazer o roubo não despertava grande mistério, esses donos de firma de segurança não são tão criativos. Deviam aprender com os artistas, ou com a gente, mas aí já pode ser difícil demais para eles.

Depois de tudo isso, para ser bem aceito no bando, era necessário escolher um pseudônimo. Estava nessa fase, e com muita dificuldade. O líder era Rimbaud, e o meu contato chamava Michelângelo. Mas eu achava isso tudo meio frouxo, os traficantes têm muito mais propriedade, Fernandinho Beira-Mar, Elias Maluco, isso sim mete pavor. Depois de quase dez anos estudando eu vou escolher um nominho fraco assim? Queria mesmo saber o nome de um pintor rupestre, acho que ia ficar o terror total, um nome bem cavernoso, mas aqueles imbecis do paleolítico não deixaram os nomes. Para não contrariar totalmente, escolhi um meio termo: Frida Sacode-Museu, ou então Goya Destruição Total. Acho que vai colar.

quarta-feira, 7 de novembro de 2007

entecortes de pensamento

o bom de ter cabelo
(putz, meu pai sempre implicou comigo por causa da mania de falar o bom, o ruim, ele dizia, que pobreza, minha filha, coloca um substantivo)
o bom de ter cabelo crespo
(já sei, virão milhares de pessoas me acusar de racismo, só porque estou falando de cabelo crespo, melhor ficar preparada, eu só queria fazer alguma coisa que rimasse)
é que embaraça
(adoro coisas que embaraçam, desembaçam, o som de aça é muito bom de falar)
e dá no mesmo
(mais do mesmo é o nome de um disco que eu adoro, mas me deprime muito)

o bom de ter cabelo crespo
é que embaraça
e dá no mesmo

(cacilda, melhor não tivesse feito)

domingo, 4 de novembro de 2007

Evolução depilatória

Um dos setores em que a criatividade humana mais tem evoluído é o de nomenclatura das casas de depilação cariocas.
Como ser humano do sexo feminino, tenho como uma de minhas incumbências a remoção mensal dos pêlos de certas partes do corpo, como as axilas, virilhas e pernas, além do buço, região também conhecida como bigodão. Antigamente, removia meus pêlos em salões de beleza ou clínicas especializadas, que tinham como nome invariavelmente o primeiro nome do dono, acrescido de apóstrofe S: christian´s, ralph´s, etelvina´s.
Há alguns anos surgiram centros de depilação mais antenados com a globalização e os ininterruptos fluxos de capital, que não exigem fidelização depiladora/ cliente, tampouco hora marcada para o ato depilatório. A pioneira foi a Pello Menos, com dois L (como o meu sobrenome), que são desenhados na logo como dois nojentos cabelinhos (o que não tem nada a ver com meu sobrenome).
O nome revolucionou em absoluto tudo o que se conhecia em casas de depilação, e abriu uma brecha para uma surto de criatividade dos empresários do ramo. Ao Pello Menos seguiram a Depilux e o Pelo Zero. Mais recentemente, também em Botafogo (bairro que estatisticamente concentra as mulheres mais cabeludas da cidade), foi aberta a Pello Sim, Pello Não.
Apenas em relação a esta última tenho certa objeção. Fiquei com medo de ser utilizada uma nova técnica que retira apenas metade dos pelos. Imaginei a atendente: Bom-dia, senhora Clara. Vamos retirar pêlo sim, pêlo não, até atingir a perfeita metade. Se ficar um a mais, um a menos, por favor contate nosso call center, que nossas operadoras ouvirão sua queixa. Posso testar a cêra?