terça-feira, 29 de janeiro de 2008

minha gaveta

adoro minhas gavetas desorganizadas entupidas sujas
cheias de boletos de banco
orações para santo
bilhetinhos da sétima série
passes para o zoológico
lembranças de viagem
receita do extrato de tomate
resto de cabelo de quando cortei curto
recortes de jornal sobre assaltantes
mas só os de tipo interessante
passaporte inválido
disquetes do século passado
pasta para dentes sensíveis
fita cassete que gravei do rádio
ordens médicas que não cumpri
desenhos dos meus irmãos
fotos dos meus irmãos
contos jamais escritos
e quase-poesias nunca finalizadas

sexta-feira, 25 de janeiro de 2008

o cristal e o canecão

Quebrei quatro copos essa semana. Um por dia. Hoje, sexta-feira, assumi minha regressão ao canecão de plástico.

O copo de vidro, especialmente o de cristal, não é tão corriqueiro como normalmente se pensa. Beber água em copo de cristal, botequim ou no gargalo não é a mesma coisa. O cristal, com sua fina lâmina de vidro, potencializa o sabor da água. A temperatura na mão é mais gostosa, o toque nos lábios e, finalmente, o gosto. O cristal aguça o paladar para a água, que injustamente recebe os três piores adjetivos que qualquer coisa pode ter, insípida, inodora, incolor. Isso é para mau bebedor. Copo de vidro, e de cristal, é uma maravilha.

Ou melhor, era. Porque agora não posso mais com os copos caros e nem com vidro nenhum. O canecão está aqui, com sua longa asa, me pegue, me pegue. Vá lá, ele tem seu valor. Para quem tem certo vício em mate, café e chocolate, é uma experiência engraçada beber em plático, pois o gosto do que passou antes, por mais que se lave com omo dupla ação, não vai embora. Por isso, tenho tomado mate-vinho, vinho-café, café-suco de melancia, suco de melancia-chá, chá-pina colada. Isso quando não junta mais. Agora, por exemplo, posso jurar que senti gosto de tomate fresco e pepino nessa água. Já senti também gosto de ferrugem de ralo e de mato fresco, além de de uma certa presença de cactus, embora não me lembre exatamente de ter bebido cactus. O canecão evoca lembranças que existiram, que não existiram, ou que ainda vão existir. Estou começando a me divertir.

Vou dar um gole agora. Hum. Acho que senti gosto de pôr-do sol com band-aid. E, ok, uma pitada de gengibre.

quarta-feira, 23 de janeiro de 2008

elevador

Este elevador é equipado com modernas roldanas e sistemas de rolamento, que permitem o transporte de 6 passageiros ou 540 quilos. Em caso de emergência, utilize o telefone ao lado.
É terminantemente proibido ficar em silêncio.
Nos primeiros cinco andares, sugerimos comentários sobre o tempo, especialmente sobre o calor. Faça-se de esbaforido, mesmo não estando, e compartilhe com os colegas sua insatisfação.
Do quinto ao sétimo, sugerimos comentários sobre a maluquice e a inconstância do tempo.
Do sétimo em diante, fale algo sobre a música do elevador. Cantarole um pedaço.
Não olhe para o teto, não acompanhe o mostrador de andares, não veja as horas.
Temos ascensoristas especialmente treinados para não permitir o silêncio por mais de cinco segundos; não se assuste se um deles começar a falar sem ser interpelado. Se você não estiver com vontade de falar, use o código: dê bom-dia ao ascensorista, e ele mesmo se encarregará de preencher o silêncio.
Boa viagem.

domingo, 20 de janeiro de 2008

abdução

não entendo por que
nunca fui
abduzida por um ET

quinta-feira, 17 de janeiro de 2008

O aquário e o penico

Os chineses têm um senso agudo para captar necessidades humanas ainda não satisfeitas pelos produtos disponíveis no mercado e investir nelas. Mas não são as necessidades óbvias, fome, sede, paixão, liberdade. São sempre as mais sutis.

Hoje eu estive no centro, naquela feliz meiuca do Saara e adjacências. Era meio dia e não estava me sentindo num forno humano. Tinha pressa e fui olhando as lojas pelas beiradas, passando a pontinha de olho, com o interesse típico das pontinhas. Algo me chamou a atenção: um aquário-TV.

Aquário-TV?, alguém havia de me perguntar. Pois bem. Era uma daquelas lojas de R$ 1.99, que atualmente estendem o conceito para R$ 10,00. Os produtos são todos made in China, eventualmente até o dono é made in China, a mulher e o amante (ok, esse último pode comportar algumas variações). O aquário consistia em uma tela pequena, com fundo azul marítimo, algas desenhadas e tudo mais.

Os peixes atravessavam a tela de uma lado a outro, sem parar, da direita para a esquerda, uns em cima, outros mais lá embaixo, uns grandes, outros filhotes, uns mais medrosos, outros bem poderosos. Verdade seja dita, havia uns peixes meio com cara de ouriço. Outros pareciam corujas e alguns me lembraram uma pen drive. Água, peixes passando, estava feito o aquário. Não, o aquário-TV não tem opção, não troca de imagem, é isso mesmo, só passam os peixes.

É o melhor é que não dá trabalho. Não tem que limpar, não tem que lembrar de dar comida aos bichos, o peixe não morre, a criança não fica decepcionada porque o peixe morreu. Numa boa, é muito bom. Eu sempre fico angustiada com a imagem do peixe que pula fora do aquário e acaba se debatendo até a morte, e agora descobri que nunca mais terei esse problema.

Entretanto, não comprei o aquário.

Comprei uma outra coisa: penico descartável. Pois é. Estava escrito bem grande: indispensável para viagens. O indispensável gritou. Estou com uma viagem marcada e resolvi não teimar. Mas isso é papo para depois. Até porque não sei como usar um penico descartável.

terça-feira, 15 de janeiro de 2008

cometa

era uma vez um cometa que usava peruca loira.
não era travesti, não:
ele queria fingir
que era uma estrela cadente.

terça-feira, 8 de janeiro de 2008

Um hai-kai-zinho

No papa, há quem acredite
e também em cremes
anticelulite

segunda-feira, 7 de janeiro de 2008

eita.

quinta-feira, 3 de janeiro de 2008

lista de resoluções

Lista de resoluções de ano novo é algo muito limitante. Veja bem, você tem uma infinidade de tempo, uma infinidade de possibilidades, e limita tudo em meia dúzia de resoluções. Por júpiter. Prefiro fazer a lista do que não vou fazer nesse novo ano.

1. não vou comer miolos de macaco
2. não vou comer miolos de macaco com shitake
3. não vou comer miolos de macaco refogadinhos
4. não vou tocar fagote de 1954
5. não vou tocar fagote com a ajuda de uma corneta
6. não vou tocar fagote com o dedão
7. não vou sacanear o plural
8. não vou sacanear o plural quando ele estiver repousando
9. não vou impedir o sol de encostar na pedra
10. não vou impedir o sol de encostar nos crustáceos

Pronto. Isso eu não faço de jeito nenhum. O resto eu faço, pode me chamar que eu vou.

quarta-feira, 2 de janeiro de 2008

Bronzeando-se na varanda, Amélia percebeu um cheiro de coisa nova no ar, que só havia sentido uma outra vez em toda sua vida. Era cheiro de passagem de ano. Pólvora misturada com esperança. A ovelha se animou: novo ano, ui, quem sabe até novo pasto! Mas, como não tinha certeza, virou-se para Helga e perguntou: mééé? Helga titubeou. Não podia negar que também estava animada e bastante felpuda com a possibilidade de ano novo ovelhístico. Mas, ovelha chata que é, por não observar nenhum indício real do fenômeno preferiu ser lacônica e respondeu mé. mé-mé. Daí chegou Maria, contando as boas novas dos pastos alheios: mééééé! méééé! E as ovelhas ficaram numa empolgação só. Cantarolaram, dançaram e uma lá até tocou fagote.

É, minha gente. 2008 vem aí. E, pelo que parece, as ovelhas vão continuar dizendo mééé.