quarta-feira, 31 de outubro de 2007

a evolução da espécie

Antes da formação dos continentes, havia um grande rocha. Antes dela, um emaranhado de larvas e pedras e bichos estranhos. Antes desse emaranhado, apenas oceano. Antes do oceano, apenas um lago. Antes do lago, a primeira onda. E antes da primeira onda, o primeiro surfista.

O primeiro surfista era um cara paciente. Ainda não falava bróder, nem qualé, porque a língua não havia sido inventada. Teria que esperar talvez a passagem do paleolítico para o neolítico para poder fazer um cordãozinho para o pescoço, mas não tinha pressa. O cabelo era comprido, pois não tinha como cortar, e assim ele se achava moderninho. O primeiro surfista não sabia quando o mar ia dar onda boa. Na verdade, não sabia nem quando o mar seria mar, e as ondas seriam ondas, por isso se contentava com as primitivas marolas pós-Big Bang. Era apaixonado por uma havaiana de cabelos longos e dançarina de hula-hula, mas ainda teria que esperar o Havaí ser inventado para encontrá-la. Cantarolava umas músicas de Bob Marley, mas sabia que o rastafarismo era coisa dos anos sessenta, e muita água ia rolar antes disso. Depois disso e durante isso. O primeiro surfista não precisava tomar calmante. Era, ele próprio, a calmaria. Que, quem sabe, trouxe Cabral até aqui.

segunda-feira, 29 de outubro de 2007

caramba, hoje é dia 29 de outubro, quase uma da tarde,

daqui a pouco estou com setenta anos.

sexta-feira, 26 de outubro de 2007

púrpura, rubéola
tenho certa vontade de contrair
as doenças proparoxítonas

quarta-feira, 24 de outubro de 2007

bundões

Quando era menor, havia um menino que chamava de
boboca
Outro dia esbarrei com ele, e achei-o um verdadeiro
babaca

Moral da história: passa o tempo, mudam as vogais,
mas os bundões continuam iguais.

segunda-feira, 22 de outubro de 2007

a árvore

a árvore
não consegue se esconder de ninguém
coitada.

ela fica o dia inteiro totalmente
plantada.

domingo, 21 de outubro de 2007

o quadro-negro

De tanto ser rabiscado e apagado, rabiscado e apagado,
o quadro-negro, quem diria, acabou tomando conhecimento. Ficou sabido que só.
Sabia ciências, história, literatura, geografia, e até o significado da palavra mastectomia.
O quadro-negro também sabia fazer declarações de amor e xingar o professor.
Um dia, do alto dos seus pensamentos de quadro, ele reparou: que sala de aula mais vazia!


(termino depois. hoje é domingo, que preguiça.)

sábado, 20 de outubro de 2007

O menino,
imagina!,
gostava de mascar rosas vermelhas.

quinta-feira, 18 de outubro de 2007

se o céu é um monte de nuvem azul
com anjinhos tocando harpa,
tô fora.

terça-feira, 16 de outubro de 2007

Secador

secador - objeto que Dóris usa para desamargurar. Seca toda a dor. Apesar de velha junkie, Dóris sempre teve alma de poeta concretista.

segunda-feira, 15 de outubro de 2007

O novo bonde

Como toda menina que se preze, fiz balé durante muito tempo. Dos trÊs aos doze, eu acho. É praxe por essas bandas colocar a filha em aulas de balé, e eu mesma vou enfiar a minha filha numa dessas, acho que a partir dos seis meses. Plié, coupé, passé, developé, primeira, segunda e terceira posições. Vi várias vezes O Quebra-nozes, O Lago dos Cisnes, Gisele, e por aí vai.

Eis que ocorreu o seguinte: cresci. E sou louca por funk.

Com o funk não dá para dançar na ponta do pé. Na verdade, o pé é o que menos importa. Somos obrigadas a nos deparar com outra parte do corpo humano, que andava tão escondida: a bunda. E balançar a buzanfa exige outro tipo de lógica, que as meninas educadas no balé nem sempre conseguem aprender. Por isso, decidi lançar um grupo, ou melhor, um bonde. Vai se chamar "As disléxicas do funk". A gente bate bum-bum errado, abaixa e levanta na hora errada, está sempre um passo atrás nas coreografias, dança meio balé meio funk meio lambada, fala as gírias com um quê de desfamiliaridade, mas continua gostando de funk. Disléxicas, juntem-se ao bonde. Já é.

sexta-feira, 12 de outubro de 2007

agenda de revolucionários

Fiquei sabendo dia desses que, naqueles tempos, eles prenderam muitos inocentes apenas porque tinham na agenda o telefone de alguém do movimento contra a ordem. Bastava ter o o rascunho de um contato para também ser considerado anti-sistema. Fiquei preocupada, Não estou podendo ser presa por esses dias. Mês que vem, quem sabe, cabe melhor no meu cronograma.
Daí fui olhar a minha agenda. Entre meus amigos auto-intitulados revolucionários, lembrei de um acadêmico, que quer revolucionar as bases dos paradigmas dos estudos teóricos em comunicação. É, não oferece muito perigo. Uma outra que se proclama revolucionária diz que vai subverter a ordem da moda ao pintar as unhas dos pés de uma cor e as da mão de outra. Não me pareceu muito subversor. Finalmente lembrei do mais radicalzão dos amigos revolucionários, um cara que não come carne, nem nada que derive de animal, e que nas últimas férias foi plantar algodão em Cuba. Lembrei da figura, o mega-radical não mata nem um pernilongo. Fechei minha agenda telefônica na certeza de que não seria presa. A perseguição pelos subvertidos não me alcançaria. E fui dormir em paz. Mais ou menos em paz.

quinta-feira, 11 de outubro de 2007

Vacas que dizem muuu

As ovelhas estão em festa. Chegaram ao Rio, para uma breve visitinha, as vacas que dizem muuu. Elas estão por todo canto, colorindo a a cidade com o jeito vaca de ser. Helga, muito hospedeira, recebeu bem à beça as colegas bovinas, até conversaram sobre as diferenças lexicais entre o mééé e o múúú. Jana bolou umas festas de recepção com perfomances e tecno-trance, mas acha que as vacas não gostaram muito. Ficaram muuudas, imagina. Só Amélia, a ovelha mais trés-chic, é que ficou um pouco enciumada com a visita das amiguinhas. Afinal, pintou por aí uma tal de top múúúdel, que está atrapalhando o estrelado de Amélie - mesmo com as novas madeixas cor de abóbora.

Muuuito prazer, vaquinhas! O ovelhas que dizem mé saúda as vacas que dizem mú. Aqui tem espaço para todo um pasto, e ainda para peixes, aves e jabutis - que dizem alguma coisa que ainda não entendi!

terça-feira, 9 de outubro de 2007

jabuti

Lá nos primórdios, eu queria ser bailarina. o palco, a purpurina, a pontinha do pé.
depois, aeromoça. a sensualidade disfarçada de serviência.
Acaba que meu diploma não é nem em balé, nem em aeromocismo.
No fim das contas, a cada dia que passa penso que ser um jabuti é a grande solução.
Eu já entrei para a sociedade dos jabutis. Estou só aguardando a minha carteirinha. E o meu brinde de novo membro da sociedade, ouvi falar que tem. Os jabutis são muito atentos a essas coisinhas. Jabuclara, ou Clarati.

domingo, 7 de outubro de 2007

eu e o jazz

Eu adoro ouvir jazz por dois motivos: 1. é um gênero que muito me apraz; 2. eu não entendo porra nenhuma de jazz.
Por que o jazz me toca, isso é da ordem do inexplicável - algumas coisas batem, outras não. Por que eu não entendo porra nenhuma de jazz, já é bem explicável: eu nunca li nada sobre, nunca conversei com pessoas do ramo, chego até a evitar o assunto. Contradição? Óbvio que não. Se eu escuto funk, por exemplo, ou samba, não é uma escuta leve e prazenteira. Eu fico ligada na letra, penso alguma relação com alguma outra coisa que já escutei, faço uma genealogia do autor, anoto alguma idéia num pedaço de guardanapo. Se eu escuto jazz, meu oco musical é tanto que não consigo pensar em nada, só escutar. Daí tudo flui. Donde se conclui, bestialmente, que a ignorância salva. Estou pensando em aplicar esse raciocínio pra outras coisas.

(outro dia um amigo me disse que os entendidos de jazz não falam diéz, na pronúncia inglesa, e sim jaz, como se estivessem lendo em português. Por mais ufanista que seja, não consegui adotar a medida. Jaz para mim é coisa de tumba.)