terça-feira, 24 de julho de 2007

Seu Manduca

O nome era Seu Manduca. E as pernas já quase não se aguentavam em pé. Magrinho, grisalho, gostava de sentar aos pés da amendoeira e pensar em nada. Quer dizer, a nós parecia que não pensava em nada. Quem sabe em seu passado, não sei, havia sido técnico de aquecedor. Mas ele bem sabia que pensava em tudo.

Seu Manduca brincava com as crianças que passavam perto da amendoeira. Mãe, olha lá o monstro! Ele fingia que não escutava. Ê mundo desregulado. Pior que fusível queimado. Seu Manduca passava horas na amendoeira, olhando o caminho das formigas, até ajudava a fazer a casa de formigas. Não se sabe como, com aquele tamanho todo, ele conseguia ajudar as formigas. Mas ele nem aí. Gostava das insignificâncias.

Certo dia, Seu Manduca achou uns fósforos no chão. Os fósforos estavam queimados, usados, alguns até pisados. Se abaixou, as pernas trôpegas, e colocou os fósforos no bolso. A mulher retrucou: fósforos queimados, Manduca? E o que você vai fazer com isso? Seu Manduca nem aí. Gostava das insignificâncias. A partir disso, a gente quase não via seu Manduca na amendoeira. Mãe, cadê o monstro? Seu Manduca virou um andarilho, vagando pelas ruas a procura de fósforos. Os fumantes faziam galhofa. Ih, lá vem o Manduca, confiscador de pulmões! Acendiam o fósforo, depois o cigarro e davam uma baforada bem na orelha dele. Seu Manduca dava umas tossidinhas e ia embora. O pescoço, que andava meio emperrado, agora conseguia mover-se para baixo, e Manduca seguia procurando fósforos quarteirão acima.

Alguns falavam, o velho está maluco! Endoideceu de vez. E a vizinha do primeiro andar disse que mania de fósforo é coisa de técnico de aquecedor aposentado. Afinal, com o chuveiro elétrico isso quase não existe mais. Mas Manduca tinha, sim, algo secreto, que só ele, com aquela cabecinha de Manduca, aquelas pernas de Manduca, e aquele jeito de reparar no nada poderiam fazer.

(continua...)

Um comentário:

aqui disse...

conta! conta! conta!
não vale usar técnicas do melodrama aqui!