sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

Fitinha do Bonfim

As fitinhas do Senhor do Bonfim são um meio termo entre uma tatuagem e uma pulseira. Não dá pra se arrepender de colocar no pé, porque já está feito. Por outro lado, sabemos que, um dia, ela sairá de nós.

Já tive fitinhas do Senhor no Bonfim amarradas no pulso direito (12 anos), no esquerdo (16), e não me lembro bem delas. A mais importante, porém, tasquei no meu tornozelo esquerdo quando vim a Salvador pela primeira vez.

O Pelorinho tem uma capacidade única de me transportar para outro tempo e espaço: nunca acho que estou no presente, nem na Bahia, quando me vejo envolta por aquelas construções. Estou em outro lugar, que se parece com o passado, mas que pode muito bem ser o futuro. E se for o lugar do desejo? Ali mesmo eu tasquei a minha fitinha no pé, comprada de uma mendiga fétida.
- Essa aqui combina com você, filha. A vermelha tem mais sangue.
Não sou de desobedecer mendigos. Sentada na escada, fiz três pedidos; para cada um deles, um nó. A fita pareceu se dar bem com o meu ossinho do tornozelo, que é bem saltado.

Há quem se desespere com a duração da simpatia e não aguarde o rompimento natural do tecido. Eu nunca quis cortar essa minha fitinha do Senhor do Bonfim. Enquanto durou, ouvi os maiores absurdos. Houve uma vez em que um rapaz, repousando na cama do meu quarto, cravou os olhos na fita. Em vez de me dizer "lindos pés, os seus", ele me informou, como um consultor de estilo, que eu não era hippie suficiente para ter "aquilo" no tornozelo. Aquilo são os meus três desejos, ora pombas, eu tasco onde quiser. Em outra feita, a avó de um namorado, entubada em um longo e com um broche de diamante fingido, fixou-se no meu pé e me perguntou quanto havia custado a fitinha. Não menti, o que faria, aliás, se alguém me perguntasse os desejos - o que nunca aconteceu. Fora isso, enquanto estivemos juntas, me lembro de ter xingado muito quando a vermelha enganchou numa linda meia-calça extra-fina. E também me imaginei sem ela várias vezes, ao comprar sapatos. E lá pelo segundo ano de parceria, meio sem perceber, havia adquirido o estranho hábito de girar a fita, quando sento no sofá.

Quando a fitinha se rompeu, quatro anos depois de colocada, eu estava em Buenos Aires. Fiquei muito assustada: caraca, rompeu! Lembrei dos pedidos: não sei se eu facilitei pro Senhor do Bonfim, mas estavam todos realizadíssimos. (Valeu, Santinho!) Com a fita na mão, não sabia muito bem o que fazer. Ela tinha virado um pano meio velho. Beijei, sei lá porquê. Guardei na bolsa que estava perto.

Eis que janeiro desse ano virou um parênteses bahiano.
Na Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, cavuquei a bolsa. Lá estava ela: uma fita que ganhei de um amigo, novinha em folha. Sentei na escada.

Três nós, três desejos.
Que venha 2012.

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