segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

Algodões, 3, Baú não é uma caixa qualquer


Existem lugares que a gente demora pra chegar, não importa a velocidade dos meios de transporte. Algodões foi um desses. O vôo durou, segundo o Comandante Neves (adoro decorar nomes de pilotos), três horas e dez minutos; mas eu só cheguei na cidade depois de dois dias. Meu Rio de Janeiro cabia na bolsa de mão, concentrado no Ipad, na câmera e no celular, que checava de dez em dez minutos, para ter o que fazer, ou pelo menos com que ocupar as mãos. Me sentia perdendo tempo, naquele lugar sem gente, sem apitos, com refeições servidas de quatro em quatro horas e barulho de vento. Nada para fazer, era o que pensava (e hoje vejo como era idiota; não sabia me ocupar de mim mesma). Por que raios você me convidou para estar ali, se ia fotografar o dia todo? Se quem ia encarar Algodões, sem lente pra filtrar, era eu?
Eis que o sinal da operadora telefônica falhou. Sem amigo nenhum para trocar uma mensagem, olhei, pela primeira vez, para aquela choupana.
Não sei por que, mas sempre vivi um dilema com baús. Não é uma caixa qualquer, em que se guarda qualquer coisa. O baú exije respeito. Ou, melhor dizendo, exije pudor. O baú te convida a abri-lo, ao mesmo tempo em que te coloca a dúvida sobre descobrir o que tem dentro ou permanecer ignorante.
Esse baú, amadeirado, velho, sustentava uma piteira e uma abóbora na parte superior. Tentei abrir sozinha, mas deu muito trabalho. Estava enferrujado, pesado. Embora não houvesse cadeado, a fechadura estava dura demais. Quebrei a unha tentando levantá-la, sangrou. (Você nunca me perguntou como eu tinha quebrado a unha, embora tivesse notado).

Resolvi chamar o Pedro para me ajudar, tamanha a minha obsessão em ver o que tinha dentro. Foi então que conheci o Pedro. Os dois ali, abaixados, em torno do baú. (Sei que você não me pediu para saber disso, mas eu digo mesmo assim.) O Pedro fez em um segundo o que eu não conseguiria fazer em um dia inteiro: abriu a tampa.

Não vou te contar o que estava ali dentro, pois a operação foi simples: joguei tudo fora o e o baú virou meu. Hoje guardo parte das minhas coisas aí, inclusive a minha rolleiflex, que um dia foi sua.

Para tirar essa foto, recoloquei a abóbora e a piteira. O branco do vestido veio a calhar, mas não programei. A imagem ficou bem melhor do que a original, do dia em que chegamos. Nem tudo se programa em auto-retratos.

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