domingo, 30 de janeiro de 2011

Varandas

Grande erro nunca ter tido uma varanda. Grande erro nunca ter tido uma varanda no sétimo andar.
Essa varanda é antiga, como o prédio. Pequena, com um gradil geométrico - mas de ferro, e não desses laminados modernosos. O chão é de lajotas avermelhadas. A porta de entrada é de correr, mas mal corre. E eu gosto que seja assim, meio emperrada. Daqui vejo a rua, com seus bolos de sacos de lixo dominicais. Daqui vejo a caquética janela do meu vizinho, unidas uma parte a outra por um fio elétrico velho. Daqui reconheço calcinhas gigantescas no varal de chão da vizinha, que usa a sua varanda para secar roupas. Daqui escuto mamãe me chamando lá de dentro.
- Você já comeu? Não estava com fome?
- Mãe, o que você está fazendo aqui? Eu estou sozinha nessa cidade. Já não te disse isso? Estou sozinha. É uma questão de lógica. Você não pode estar aqui. Você não está aqui.
Correm uns fios elétricos pela parte externa do prédio, e esses eu também vejo daqui da varanda. Os carros lá embaixo passam como se quisessem correr, mas algo os aprisiona. As leis de trânsito, talvez. Mas só talvez.
- Está na mesa.
- Não está. Você não está aqui.
Olho para os outros prédios, as caixinhas quadradinhas, e vejo as outras varandas. Quase todos têm varandas. Balcon, como se diz por aqui.

O prédio, uma caixa. A varanda, uma saída para o respiro. Já reparou em gente saindo de casa e entrando na varanda? Mal pisam na varanda, aquela saliência aérea, as pessoas costumam buscar algo com o olhar - uma nuvem, um carro mais apressado, um pega ladrão, uma nuvem no céu. Mal saem na varanda e gesticulam diferente, espreguiçam, se liberam de alguma coisa.
A varanda é o pequeno espaço em que se pode criar. É por isso que estou nela agora. E vou varandear por muito tempo.

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