- É, eu sei.
A verdade é que eu estava sem saco para explicar direito. Dizer que eu praticava arte marcial, que vivia cheia de hematomas, que ela não se preocupasse, que não machucava muito não, que a perna e no braço estavam sempre roxos, eu só queria que ela me depilasse rápido, embora estivesse aproveitando o ar-condicionado.
Ela puxava a cêra delicadamente, mas ainda assim doía. Fechei os olhos para ver se distraía a dor com alguma besteira de pensamento, isso funciona muito, serve pra qualquer coisa. Levei um susto quando escutei aquele sussuro no meu ouvido:
- Eu também gosto de fazer apanhando.
- Hã?
- Olha só.
Me mostrou a nuca e o antebraço, marcas de roxo esparramado. Pensei em revelar que só gosto de luta no do-jo, mas o caminho não parecia ter volta.
- Foi meu marido que veio com essa idéia. No começo eu não acreditava que não doía. Mas agora eu nem sinto nada. Parece carinho, né?
Puxou a cêra com mais força. Tive um impulso de berrar, mas segurei, saiu só um grunhido, na verdade abafado pela mulher da cabine ao lado, que berrava sem parar. A depiladora não percebeu. Ainda bem. Não podia me mostrar fraca, ainda mais com uma cêrazinha à toa.
- E você bate no seu marido também?
Silêncio. Peraí, vai dizer que ficou ofendida com a pergunta? Eu estou aqui, sendo depilada, entregue ao nada, agora responde, po.
- Estou começando a bater agora.
Ela pareceu lembrar de como batia bem e caprichou na puxada. Recolhi todos os urros que quis dar para o útero, não saiu nenhum. Eu não sou seu marido. Pára de bater em mim. Olha que eu revido.
- E você sabe que gosto? Ele fica submisso. Aceita. Acho que é bom pra ele também. Só tem que não posso dar na cara, senão o pessoal do trabalho dele repara. Dou no braço, na barriga. Comprei umas blusas novas pro Tomás, de manga comprida.
Tomás. Nome de santo.
- O que eu não gosto mesmo é arranhão. Nem soco.
- Golpe de mão aberta espalha mais a força, dói menos. Dá tapa. Soco é mais concentrado.
Juro que não queria dar pitaco. Só queria escutar a mulher. Mas já tinha falado.
- Tapa assim?
- Não, flexiona um pouco os dedos. O polegar fica junto. Agora arqueia. Isso. Se quiser usar o golpe na vertical, tem que fazer assim, ó. E na garganta é assim. Só não pressiona demais, porque isso sufoca rápido.
Ela ficou treinando na minha frente, enquanto procurava a pinça. Uns tapas sem forma, sem força, sem integração com o resto do corpo. Tapa bem dado não é assim, minha querida, presta atenção, tem que vir mais de longe, conserta essa posição, senão não faz efeito, isso aqui não é nada, nem merece o nome de tapa, tive vontade de corrigir, foi então que não sei porque, mas não sei como mesmo, eu levantei e dei um puta tapa nela. Esborrachado, no meio da cara.
*
(continua no meu word... não consigo escrever/publicar coisas maiores aqui nesse editor!)
quinta-feira, 11 de dezembro de 2008
O tapa
Postado por Clara às 10:52
Marcadores: historietas, karatê
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6 comentários:
ta..
no fim ela não soube se vc gosta ou não de apanhar...
karatê???
foi no chope e escondeu o lide...
fato é q isso explica pq seu namorido anda tão torto.
clara! muito bom!
hahahahahha!! gostei desse... quero ler até o fim!
Anda ouvindo muito caetano, definitivamente.
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