domingo, 1 de maio de 2011

Julia

Início da tarde, no apartamento de Julia. A Julia que eu inventei pra ser ex-namorada do Miguel. O Miguel que eu inventei pra protagonizar o meu roteiro. O roteiro que eu inventei para alguma coisa que não tem por quê. (Porque toda brincadeira, quando é bacana, sempre termina no "não sei porquê").

JULIA
Presta atenção. Vou começar o tour. Bem-vindo, senhor Miguel. Você está na porta de entrada, adentrando (gostou do adentrando?) a sala do apartamento. Tem bastante luz, e eu gosto sala com luz, um sofá, uma TV e... vamos pro corredor. Tchan! Aqui é o meu quarto. Meio barulhento, tá dando pra escutar? Pra quem saiu daquele silêncio, imagina a tortura. Aqui tem carro passando e um ponto de apoio da companhia de garis da cidade. O armário, saca só, é bem grande. Mas eu nem precisava. Hoje eu sou uma mala e meia: sou algumas roupas, meus livros e um computador. Eu sou isso. E gosto de ser isso, pouca coisa. Eu cabendo em mim. Olha só que legal. E nem sou budista. E aqui é o meu novo banheiro. Que tem... uma banheira. Uma banheira, Miguel. Caraca!

Nunca poderia imaginar que ia desfrutar de uma antes de virar uma velha com a coluna entrevada cujos netos dão banho de banheira para rememorar o que é uma piscina. Uma banheira! Na minha casa! Só tinha ido em banheira em hotel. Quer dizer, em motel. Olha como é estilosa. Azul. Já testei a água, sai bem quente, dá pra tomar aquele banho fervente. Tá dando pra ver tudo pela webcam? E o banheiro ainda tem essa janela. Janelaço, né não? Vou abrir pra você ver. Dá pra rua, eu tomo banho vendo uma porção de prédios. E ainda tem outra coisa. Espera aí que vou correr pra te mostrar.
(Julia abre um janelão)
É a varanda. Daqui da minha varanda eu vejo uma porção. E vejo muito fio também. Aqui é bem alto. Paisagem suja. Cinza. Mas, quando eu estou aqui, só consigo ver as varandas. Acho tão bonitinho, esse enfileiramento de sacadas. Tem uma ali ó, vou apontar a câmera pra lá, é incrível, mimosa, contida, pequena, cheia de plantas. E, ao seu lado, uma esculachada, que faz as vezes de varal. Sabe que, depois de um tempo, eu sinto falta de olhar pra cima e ver as montanhas da nossa cidade. Mas aí eu aprendi rapidinho a me despistar. Finjo para mim mesma que cada varanda dessa é uma montanha. Aí eu estou no Rio de novo. Uma varanda, uma banheira, um punhado de livros, roupas, computador. Miguel? Tá aí?

Um comentário:

Bel disse...

Sei não.. pela escolha dos nomes dos personagens, acho que os episódios significativos semióticos portenhos yeah, foram, realmente, significativos semióticos yeah.