terça-feira, 18 de maio de 2010

As unhas, as canetas

Tinhas as unhas bem lixadas, cuticuladas e pintadas de um branco fechado. Um anel em cada dedo, de prata barata, embora bem polida, e pedraria ostensivamente falsa, que preenchiam e pesavam não em apenas um, mas nos dez dedos das mãos. Entrou no ônibus pela porta de trás, abraçando uma caixa como um bebê. Vendia canetas.

Havia do tipo executiva, de um metal leve; do tipo escolar, com borracha para amortecer a pegada, do tipo compacta, que se leva na carteira. Por algum motivo, achou que eu deveria gostar da multicor. Olhou para mim enquanto, com sua voz grave e a barba por fazer, anunciava a facilidade da caneta, que era um tipo econômico, quatro em um, que daria a praticidade de ter um colorido para a letra e outro para o sublinhado, e era de fácil manejo - ele demonstrava estalando os cliques, azul, verde, vermelho, preto.

Ele não sabia que eu não pinto a unha de branco, só de variações em torno de vermelho. E que não consigo escrever com canetas, por mais que tenham cores. E também não poderia imaginar que fiquei obcecada com a sua figura, em que a mão não condizia com o rosto, e com seu modo sutil de ficar um pouco incomodado com a falta de atenção dos passageiros, mas não o suficiente para se calar.

3 comentários:

Mariana do Valle disse...

um texto bem redigido, eu adorei.

estou seguindo, siga o meu ! :)

Gabriela disse...

depois que você descobre que esse cara tem essas unhas ele se torna onipresente. E cada vez vc inventa um motivo diferente prele ter aquelas unhas.

Gabriela disse...

Ontem ele adentrou o 583 às 8:30 da matina. Outro vendedor berrou qualquer coisa lá da calçada e ele respondeu aos gritos: "Você ainda pode casar com uma mulher rica, porque eu já sou pobre e casado!"
Confesso que procurei a aliança. Das 2 uma: ou ele é travesti ou sua mulher é manicure.