Vago pelo shopping, subo e desço as escadas numa andada quase insone. Lola estaria em uma bota de bico quadrado? Em um sabonete de camomila? Em um vestido com laçarote na cintura? Lola é um CD de Nina Simone ou de Zeca Pagodinho? Um romance americano de 1952?
Nunca consegui dar presentes. É um mal que me atormenta desde as festas infantis, desde os os bailes de debutantes, e não se trata de pão-durismo: não é gastar dois ou quatro reais o que me tira o sono. É não saber o que dar para a pessoa. Não confio nesse critério de utilidade ou inutilidade do presente, pois a inutilidade é sempre muito melhor. Como presentear a pessoa com a inutilidade perfeita? Lembro das matérias dos telejornais na época do Natal e da mais nova profissão: personal comprador de presente. Você dá o perfil do presenteado, o sujeito salta uma solução mágica. Que tal o livro tal para o seu tio ranzinza? Sua amiga não vai de perfuminho cítrico? Um anel, já pensou nisso? Grande sujeito. Isso é que é criatividade.
Continuo não achando Lola nas canetas com tinta azul, nos livros do Kerouac, nos ímãs de geladeira com citações. E lembro de mais uns três amigos para quem fiquei devendo presente só esse ano, depois do mesmo sonambulismo em shoppings e na internet. Para piorar, esses amigos haviam me dado presentes formidáveis. Acende um letreiro na minha cabeça: vou para o inferno. O shopping em promoção, aquela gente ávida por objetos, e Lola não está em canto nenhum. Nem eu.
Um amigo de infância e de adultância faz aniversário uma semana antes de mim. Grande amigo. Nunca nos demos um presente, e achei que esse detalhe biográfico tinha passado batido. Não foi bem assim.
- Você não gosta de dar presente, né?
- Não é que eu não goste. Não consigo.
- Hoje é o meu aniversário. Agora. Meia noite.
- Eu sei. Daqui a pouco é o meu. Parabéns. Muitas felicidades, muitos anos de vida.
- Vai cantar a musiquinha?
- Daqui a pouco. Espera acabar o vinho. Me bateu um sono. Desculpe, eu não consigo desejar parabéns falando nada além dessa parte da música. Acho sincera, a música. Mas quando o aniversário é dos meus avós eu acrescento saúde, assim com bastante ênfase.
- Você só sabe o meu aniversário porque daqui a pouco é o seu?
- Acho que teria decorado de qualquer jeito. Mas essa coisa da proximidade ajuda a lembrar. Sou ruim de aniversário, desculpe.
- Sou pior que você.
- Eu já tentei te dar um presente, no ano passado.
- Eu já tentei te dar um presente, esse ano.
- Tentei até escrever uma carta.
- Não conseguiu, né?
E assim combinamos que a gente não precisava se presentear.
Até o dia em que encontrei um presente que era a cara dele. E não era uma bota de bico quadrado.
quinta-feira, 19 de agosto de 2010
Presente
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Um comentário:
passei no ovelhas e não vi o hino.
Postar um comentário