Jean Genet, sobre o Giacometti: "A beleza tem apenas uma origem: a ferida, singular, diferente para cada um, oculta ou visível, que o indivíduo preserva e para onde se retira quando quer deixar o mundo para uma solidão temporária, porém profunda. Há, portanto, uma diferença entre essa arte e o que chamamos o miserabilismo. A arte de Giacometti parece querer descobrir essa ferida secreta de todo ser e mesmo de todas as coisas, para que ela os ilumine" Li e lembrei que os japoneses colam as rachaduras das porcelanas de forma a destacar a quebradura. Assim, uma xícara pode virar um mosaico. Mais bonito e vivo que o original. Ora, se não.
quinta-feira, 27 de setembro de 2012
sábado, 16 de junho de 2012
Hai-kai com cheiro de látex
Cinco versos de diálogo. Um hai-kai amador, com cheiro de látex. * - Camisinha. - Onde tá? - Longe lá. - Vai sem? - Nem.
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domingo, 25 de março de 2012
Despertar em Algodões
Teresa acordou. Não estava na própria cama, nem tinha tecidos sobre a pele.
- Tenho sonhado muito ultimamente.
- Que foi? Você não dormiu bem?
- Essa noite foi tranquila.
- Você sonhou com o quê?
- Não lembro bem. Tenho sonhado, nos últimos dias, com bichos e perseguições. Fico agitada por um bom tempo depois de acordar. E de vez em quando me obrigo a acordar, para me livrar do sonho. Tenho que lembrar de jogar no bicho.
- Não te percebi sonhar. Ainda bem, por que eu não ia gostar de saber disso. Acho que ia ficar com ciúme.
- Ciúme do sonho?
- De você estar em um lugar que não é aqui, comigo. De você estar ao meu lado, tocando a minha pele, mas, na verdade, em outro lugar. Eu não sonhei essa noite. E acordei como sempre: assustado.
O susto não durou muito tempo.
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sábado, 21 de janeiro de 2012
Peguei mania
Seis da tarde. Subo a Ladeira da Fonte, onde moro. Chego no Campo Grande.
Tudo é trânsito e dendê.
Rebuliço que tenho que colocar as mãos pro alto e gritar: Salvador!
Proclamar o óbvio. Peguei mania.
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sexta-feira, 20 de janeiro de 2012
Algodões, 5, etiquetar
Já pensou quanta coisa a gente guarda em gavetas? Não estou falando de quinquilharia, de durex, grampeador, roupa. Estou falando daquilo que a gente se esforça para tentar separar, colocar nome, isso é amor, isso é amizade, aquilo lá virou rancor, daí tascamos etiquetas, para dar sentido. Fecho, não quero nunca mais abrir.
Eu tenho dentro de mim um armário maior que esse. Acabei de abrir, certa de que nunca te acharia. Mas você ocupa mais de uma gaveta ao mesmo tempo. Desgraça.
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segunda-feira, 16 de janeiro de 2012
Minha casa-Pelourinho
A primeira vez que fiz o trajeto minha casa -Pelourinho foi em uma tarde de quinta. Solzinho brando na cabeça. Ficou um zumbido mais ou menos assim:
A placa diz que o Pelorinho é pra lá – olha o DVD! - vamos atravessar no sinal - ô morena, venha cá – o sinal tá longe – venha cá – só dá pra atravessar no sinal – tá me desdenhando, é? – desbundada – só mais dez minutos andando – quebra-queixo só cinquenta - tá perdida, filha? – tô mais ou menos – venha cá – hablas español? - pode deixar que eu gosto de me perder – salvador – a primeira capital do brasil – óculos de grau na promoção - já me acho – se me encontrar – venha cá – te aviso.
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quarta-feira, 11 de janeiro de 2012
Algodões, 4, quem dera
Escrever em álbum de fotos, olha que coisa mais atrasada. Colocar em envelope, ir na agência dos Correios. Estou aqui me perguntando quando foi que resolvi começar a escrever esse álbum para você. Foi uma decisão tão repentina. Aposto que você está achando que eu planejei, claro, que bolei isso tudo para tirar uma onda com a sua cara. Quem dera. Não consigo me planejar nem para acordar meia hora mais cedo e fazer umas abdominais.
Só estou fazendo esse álbum porque entrei em férias. Não exatamente férias de trabalho, mas férias de amor: meu amor não está aqui. O Pedro saiu tem dois dias. Ele havia me proibido de entrar na choupana, disse que isso aqui poderia me lembrar você, que eu ia fazer alguma besteira. Eu não reagi: gosto de proibições. Aliás, só fiz essas fotos porque ele me proibiu de entrar. São fotos escondidas. Como se alguma coisa registrada pudesse ser escondida.
Essa foto quase não entra. Minha mão, um algodão. Um tecido que se forma aos poucos, como esse álbum, como a nossa história.
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segunda-feira, 9 de janeiro de 2012
Algodões, 3, Baú não é uma caixa qualquer
Existem lugares que a gente demora pra chegar, não importa a velocidade dos meios de transporte. Algodões foi um desses. O vôo durou, segundo o Comandante Neves (adoro decorar nomes de pilotos), três horas e dez minutos; mas eu só cheguei na cidade depois de dois dias. Meu Rio de Janeiro cabia na bolsa de mão, concentrado no Ipad, na câmera e no celular, que checava de dez em dez minutos, para ter o que fazer, ou pelo menos com que ocupar as mãos. Me sentia perdendo tempo, naquele lugar sem gente, sem apitos, com refeições servidas de quatro em quatro horas e barulho de vento. Nada para fazer, era o que pensava (e hoje vejo como era idiota; não sabia me ocupar de mim mesma). Por que raios você me convidou para estar ali, se ia fotografar o dia todo? Se quem ia encarar Algodões, sem lente pra filtrar, era eu?
Eis que o sinal da operadora telefônica falhou. Sem amigo nenhum para trocar uma mensagem, olhei, pela primeira vez, para aquela choupana.
Não sei por que, mas sempre vivi um dilema com baús. Não é uma caixa qualquer, em que se guarda qualquer coisa. O baú exije respeito. Ou, melhor dizendo, exije pudor. O baú te convida a abri-lo, ao mesmo tempo em que te coloca a dúvida sobre descobrir o que tem dentro ou permanecer ignorante.
Esse baú, amadeirado, velho, sustentava uma piteira e uma abóbora na parte superior. Tentei abrir sozinha, mas deu muito trabalho. Estava enferrujado, pesado. Embora não houvesse cadeado, a fechadura estava dura demais. Quebrei a unha tentando levantá-la, sangrou. (Você nunca me perguntou como eu tinha quebrado a unha, embora tivesse notado).
Resolvi chamar o Pedro para me ajudar, tamanha a minha obsessão em ver o que tinha dentro. Foi então que conheci o Pedro. Os dois ali, abaixados, em torno do baú. (Sei que você não me pediu para saber disso, mas eu digo mesmo assim.) O Pedro fez em um segundo o que eu não conseguiria fazer em um dia inteiro: abriu a tampa.
Não vou te contar o que estava ali dentro, pois a operação foi simples: joguei tudo fora o e o baú virou meu. Hoje guardo parte das minhas coisas aí, inclusive a minha rolleiflex, que um dia foi sua.
Para tirar essa foto, recoloquei a abóbora e a piteira. O branco do vestido veio a calhar, mas não programei. A imagem ficou bem melhor do que a original, do dia em que chegamos. Nem tudo se programa em auto-retratos.
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sexta-feira, 6 de janeiro de 2012
Fitinha do Bonfim
As fitinhas do Senhor do Bonfim são um meio termo entre uma tatuagem e uma pulseira. Não dá pra se arrepender de colocar no pé, porque já está feito. Por outro lado, sabemos que, um dia, ela sairá de nós.
Já tive fitinhas do Senhor no Bonfim amarradas no pulso direito (12 anos), no esquerdo (16), e não me lembro bem delas. A mais importante, porém, tasquei no meu tornozelo esquerdo quando vim a Salvador pela primeira vez.
O Pelorinho tem uma capacidade única de me transportar para outro tempo e espaço: nunca acho que estou no presente, nem na Bahia, quando me vejo envolta por aquelas construções. Estou em outro lugar, que se parece com o passado, mas que pode muito bem ser o futuro. E se for o lugar do desejo? Ali mesmo eu tasquei a minha fitinha no pé, comprada de uma mendiga fétida.
- Essa aqui combina com você, filha. A vermelha tem mais sangue.
Não sou de desobedecer mendigos. Sentada na escada, fiz três pedidos; para cada um deles, um nó. A fita pareceu se dar bem com o meu ossinho do tornozelo, que é bem saltado.
Há quem se desespere com a duração da simpatia e não aguarde o rompimento natural do tecido. Eu nunca quis cortar essa minha fitinha do Senhor do Bonfim. Enquanto durou, ouvi os maiores absurdos. Houve uma vez em que um rapaz, repousando na cama do meu quarto, cravou os olhos na fita. Em vez de me dizer "lindos pés, os seus", ele me informou, como um consultor de estilo, que eu não era hippie suficiente para ter "aquilo" no tornozelo. Aquilo são os meus três desejos, ora pombas, eu tasco onde quiser. Em outra feita, a avó de um namorado, entubada em um longo e com um broche de diamante fingido, fixou-se no meu pé e me perguntou quanto havia custado a fitinha. Não menti, o que faria, aliás, se alguém me perguntasse os desejos - o que nunca aconteceu. Fora isso, enquanto estivemos juntas, me lembro de ter xingado muito quando a vermelha enganchou numa linda meia-calça extra-fina. E também me imaginei sem ela várias vezes, ao comprar sapatos. E lá pelo segundo ano de parceria, meio sem perceber, havia adquirido o estranho hábito de girar a fita, quando sento no sofá.
Quando a fitinha se rompeu, quatro anos depois de colocada, eu estava em Buenos Aires. Fiquei muito assustada: caraca, rompeu! Lembrei dos pedidos: não sei se eu facilitei pro Senhor do Bonfim, mas estavam todos realizadíssimos. (Valeu, Santinho!) Com a fita na mão, não sabia muito bem o que fazer. Ela tinha virado um pano meio velho. Beijei, sei lá porquê. Guardei na bolsa que estava perto.
Eis que janeiro desse ano virou um parênteses bahiano.
Na Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, cavuquei a bolsa. Lá estava ela: uma fita que ganhei de um amigo, novinha em folha. Sentei na escada.
Três nós, três desejos.
Que venha 2012.
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terça-feira, 13 de dezembro de 2011
Algodões 2: abóboras, rebatedor
Até hoje me lembro do seu espanto quando olhou aquelas abóboras no chão. Um vegetal que dá no chão? Como se toda fruta tivesse que nascer em árvores, para cair na cabeça de alguém e provocar a inspiração para a ideia que vai mudar a história. A abóbora nunca mudou história alguma. Mas esteve na nossa. Naquele dia, eu me arrependi de ter ido com você a Algodões. Algo me dizia, e eu não quis acreditar, que jamais deveria ter ido com um sujeito que conhecia havia dois meses para um lugarejo do sul da Bahia. Eu, que não suporto nem um domingo a dois em Paquetá.
O convite para a viagem veio em um mate que tomamos na praia. Você cavou um buraco na areia, apoiou o copo. E me convidou. Bahia. Descanso. Paz. Nós. Dois. Eu sorri, tentei ser leve, mas sei que saiu forçado. Eu não sei sorrir amarelo, você deve ter percebido. Antecipei a viagem em pensamento e só sentia o medo de estar com você naquela cidade, longe de tudo, e sozinha; de não conseguir sair da cidade. Acima de tudo pesava, mas só descobri isso muito depois, não saber ao certo quem era você, apesar da nossa súbita intimidade para uma relação de apenas dois meses. Pensei tudo isso. E respondi: marca o vôo para a parte da manhã.
Engraçado como se confia em uma pessoa por pouca coisa. Eu confiava em você pelo seu gosto musical.
Como se pode ser tão idiota?
Olha ali a namorada do fotógrafo, dizia a produtora da equipe, lá vai ela com o rebatedor. Nos primeiros dois dias, eu fui a carregadora oficial de rebatedor. Devo a esse oficio o fato de, hoje, conseguir discernir as luzes, e apenas por isso não me arrependo.
Gosto de luzes, especialmente da que bate nas folhas da aboboreira, pela manhã. Há frutas, como as abóboras e os kiwis, que surpreendem ao serem abertas. Não se pode adivinhar como são por dentro, nem mesmo quando tocadas. Impossível imaginar, olhando por fora, a cor da polpa. Mesmo em uma foto que não esteja em preto e branco.
Postado por Clara às 22:04 1 coméééntários
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